O terror do apartheid não derrotou a determinação de Mandela |
Luís Alberto Caju
A morte de Nelson Mandela nesta quinta-feira
(5) deixa o mundo mais pobre em relação à luta pela paz e igualdade social. O
homem que ficou encarcerado 27 anos, mas não permitiu que o ódio dominasse o
coração. A máquina do apartheid (horroroso sistema de discriminação inventado
pela África do Sul na década de 50) perdeu a força contra o preso político mais
famoso do mundo da década de 1960 até 1990.
Lembro-me de sua única e inesquecível visita
ao Brasil, em 02 de agosto de 1990, para pedir apoio à sua causa. Recepcionado
num almoço no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, descreveu o
terror do apartheid em poucas palavras: “No meu país brancos e negros não podem
conviver no mesmo espaço, como vejo aqui neste almoço. Nem sequer podem andar
juntos na mesma calçada, mesmo sendo humanamente iguais”.
Por causa de ameaças de extremistas, desde a
libertação ocorrida em fevereiro daquele mesmo ano, uma multidão de policiais
esteve ao redor do líder pacifista sul-africano. Era muito difícil qualquer
contato com ele. Após o evento, Mandela saiu do local onde fora recepcionado
para ir embora. No saguão a imprensa o aguardava, após várias horas de espera.
A Polícia Federal tentou impedir qualquer
contato, às vezes com empurrões e gritos. Neste momento aconteceu algo
maravilhoso. Mandela olhou para nós, alguns com blocos de papel, gravadores e
máquinas fotográficas nas mãos e pediu de forma serena calma aos policiais.
Durante 15 minutos respondeu diversas
perguntas. Neste curto período, que para mim foi grandioso, pude observá-lo a
menos de 2 metros de distância. Alto, talvez com 1,90m, os cabelos brancos na
cabeça e o sorriso cativador. A voz pausada pela experiência da vida de lutas
(e foram inúmeras) trouxe respostas brilhantes.
Ao perceber vários jornalistas negros
e brancos juntos, mais uma vez atacou o apartheid: “Na África do Sul nas
últimas décadas essa cena que vejo aqui neste lugar, não acontece. Ali não há igualdade,
só barbárie e violência contra a população negra”. Mesmo com problemas que
vocês enfrentam, ressaltou, percebo que o Brasil é um país maravilhoso, pois existe
igualdade nesta nação.
Lista de convidados do inesquecível almoço oferecido a Nelson Mandela em São Paulo |
De forma lenta, virou-se e tomou a porta da
saída do Palácio dos Bandeirantes, acenando para multidão que se espremia no saguão.
De forma inesperada participei de um momento, que hoje classifico de
inesquecível: estar diante do homem, que após Gandhi e Martin Luther King,
sintetizou o quanto é maravilhoso não se deixar contaminar pelo ódio, o
combustível da violência em todos os níveis.
Passados 23 anos, nesta quinta-feira vieram à
minha mente todas as lembranças desse encontro com Nelson Mandela. Do homem que
lutou até fim para que o seu povo conhecesse o doce gosto da liberdade, sem
qualquer resquício de revanche no coração. Mesmo maltratado pelo sistema
prisional sul-africano, que resultou em sérios ataques à saúde, conseguiu viver
para derrotar o aparheid. Entrou para a eternidade. Nunca será esquecido, mas
lembrado, pois o “choro pode durar uma noite, mas alegria vem pela manhã”.
O presidente da África do Sul, Jacob Zuma,
disse em pronunciamento nesta sexta-feira (6), que o velório do ex-presidente
Nelson Mandela vai acontecer no dia 10 no Estádio Nacional de Johannesburgo,
capital do país, e o enterro será no dia 15 na aldeia de Qunu, onde o líder
passou sua infância. Entre os dias 11 e 13 de dezembro, o corpo de Mandela
ficará exposto em Union Buildings, em Pretória, residência oficial e sede
do gabinete da Presidência do país, local onde ele tomou posse após vencer as
primeiras eleições democráticas depois do fim do apartheid. Cerimônias em
memória do ex-presidente acontecerão em todo o país no período.
Segundo Zuma, livros de condolências em todas
as representações diplomáticas do país no Exterior, enquanto no quarto dia após
a morte, iniciarão as visitas de "dignatários" à família de Madiba.
No sexto dia após a morte de Mandela, será realizada uma cerimônia comandada
por Zuma, na presença de líderes de várias organizações, que será acompanhada
por telões nas principais cidades do país, incluindo o bairro Soweto, em
Johannesburgo.