Radiografia da Notícia
* Profissionais preferem autonomia a hierarquia e qualidade de vida a longas jornadas, segundo novo estudo com mais de 2 mil brasileiros
* Apenas 12% aspiram a cargos de liderança
* Entre as aspirações para os próximos dois anos, 28% buscam salário maior no mesmo cargo
Redação/Hourpress
Uma confiança profissional histórica marca o trabalhador brasileiro: 97% se sentem preparados para o futuro do trabalho, um salto impressionante de 10 pontos percentuais em relação ao ano passado (87%). Paradoxalmente, essa mesma força de trabalho confiante rejeita o modelo tradicional de crescimento profissional: apenas 12% aspiram a cargos de liderança.
Os dados fazem parte da terceira edição da pesquisa "Futuro do Trabalho: onde estamos e para onde vamos?", realizado pela empresa de inteligência Futuros Possíveis com apoio da TOTVS e do Instituto da Oportunidade Social (IOS), que ouviu 2.018 brasileiros pela internet entre abril e maio de 2025.
Preparados, mas insatisfeitos
"Estamos documentando uma ruptura histórica", explica Angelica Mari, CEO e cofundadora da Futuros Possíveis. "Temos pela primeira vez uma força de trabalho que se sente preparada para o futuro, mas rejeita como o trabalho está organizado hoje".
O paradoxo se manifesta em números contundentes. 74% estão empregados formalmente, mas 50% querem mudar de trabalho em 2025. "Não estamos diante de uma crise de empregabilidade, mas de uma revolução de expectativas", destaca Mari.
Dados que sinalizam essa rejeição à hierarquia tradicional incluem o achado de que 12% querem promoção para cargos de liderança, enquanto 23% preferem empreender - quase o dobro. Entre as aspirações para os próximos dois anos, 28% buscam salário maior no mesmo cargo sem assumir mais responsabilidades, 24% querem melhores benefícios no trabalho atual e 16% almejam trabalhar menos horas.
"Isso sinaliza uma busca por autonomia ao invés de autoridade, e impacto ao invés de um cargo no topo da pirâmide", analisa Mari. "Talvez o sonho atual não seja mais subir a escada corporativa, mas construir pontes entre ambições pessoais e contribuições profissionais mais significativas".
Longas jornadas: o maior vilão
A rejeição ao modelo tradicional fica evidente quando 63% apontam longas jornadas como principal problema para o bem-estar mental do trabalhador brasileiro. Na sequência, 46% criticam a competição excessiva entre colegas e 37% o acionamento fora do expediente comercial.
"Os brasileiros querem ser mais produtivos em menos tempo, não mais produtivos trabalhando mais horas", observa Marcelo Gripa, cofundador da Futuros Possíveis. "É uma recalibração fundamental que desafia décadas de cultura organizacional focada na presença, não na performance".
Embora 57% se declarem satisfeitos com o trabalho atual, a alta intenção de mudança evidencia que a satisfação não é mais suficiente. "Temos uma força de trabalho que não aceita mais a mediocridade como norma e está redefinindo os parâmetros do que considera um bom trabalho", concluiu Gripa.
As diferenças geracionais são marcantes em relação a expectativas para o futuro do trabalho. Jovens de 16-24 anos são os que mais querem mudar de ocupação (60%), comparados aos 46% dos profissionais acima de 40 anos. No grupo de quem tem entre 25 e 29 anos, 36% buscam salário mais alto no mesmo cargo (acima da média de 26%), enquanto profissionais com 50+ anos valorizam mais a autonomia (36%) do que crescimento na carreira.
"As empresas precisam abrir suas portas para as juventudes, oferecendo oportunidades reais de aprendizado e crescimento", defende Vivian Broge, vice-presidente de Relações Humanas e Marketing da TOTVS e presidente do Instituto da Oportunidade Social (IOS), que apoiaram o estudo. "Investir na inclusão produtiva de jovens é essencial para construir uma força de trabalho diversa e preparada para os desafios futuros. Além de promover justiça social, essa abertura favorece a cultura da inovação. O IOS, por exemplo, promove a formação e empregabilidade de milhares de jovens por ano. São esses jovens que, inseridos nas organizações, transformam negócios".
Tecnologia como aliada, não inimiga
Contrariando previsões apocalípticas sobre automação, 68% não veem a tecnologia como ameaça ao emprego. A preparação para os desafios futuros se tornou prioridade para 90% dos trabalhadores, contra 83% em 2024. Entre as habilidades mais importantes quando a IA assumir tarefas repetitivas, destacam-se conhecimento técnico sobre novas tecnologias (45%), disposição para aprender continuamente (44%) e capacidade de análise e soluções criativas (44%).
A pesquisa também detectou uma mudança na percepção em termos da responsabilidade sobre a preparação para o futuro: 36% agora acreditam que cabe exclusivamente ao profissional se preparar para o futuro do trabalho, um salto significativo em relação aos 23% registrados em 2024. Porém, uma parcela significativa (55%) defende a responsabilidade compartilhada entre profissional e empregador.
"A tecnologia vem transformando o mercado de trabalho e os profissionais reconhecem a importância de se reinventar continuamente", avalia Fernando Sollak, diretor Corporativo de Relações Humanas da TOTVS. "A responsabilidade de capacitar os trabalhadores para as demandas do futuro deve ser compartilhada entre pessoas e empresas. É preciso que as organizações criem ambientes que incentivem o aprendizado, apoiando seus colaboradores frente aos desafios do futuro".
Saúde mental: a emergência de um direito fundamental
Um dos achados mais alarmantes da pesquisa revela que 47% dos trabalhadores já tiveram saúde mental impactada por questões de identidade no trabalho - seja por gênero, cor da pele, corpo, origem ou jeito de viver. Entre jovens de 16-24 anos, 24% relatam sentir pouca escuta ou empatia, comparados a 11% dos profissionais com 50+ anos.
"Quando quase metade da força de trabalho tem sua saúde mental comprometida por não ser aceita como é, estamos diante de uma violação sistemática dos direitos humanos mais básicos", alerta Andreza Maia, especialista em inovação inclusiva e cofundadora da Futuros Possíveis. "Isso transforma diversidade e inclusão de valores corporativos em questões urgentes de saúde pública. Não é mais sustentável separar bem-estar pessoal de produtividade profissional".
Para proteger a saúde mental, 49% dos trabalhadores priorizam equilíbrio entre vida pessoal e profissional, 44% querem acesso facilitado a apoio psicológico e 45% pedem treinamentos regulares para lideranças sobre o tema.
A visão para o futuro do trabalho reflete essa busca por qualidade de vida. Para o trabalho remoto, 41% defendem flexibilidade total de horários, enquanto 35% querem limites claros entre trabalho e descanso. Entre os benefícios mais valorizados, horário flexível aparece em terceiro lugar (29%), atrás apenas de necessidades básicas como plano de saúde (41%) e vale-alimentação (30%).
A coleta dos dados que embasaram a pesquisa foi realizada online pela Opinion Box entre 22 de abril e 12 de maio de 2025, com 2.018 respondentes acima de 16 anos de todo o Brasil e margem de erro de 2,2 pontos percentuais.