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quinta-feira, 11 de março de 2021

Artigo: O discurso de Lula e as bases da campanha presidencial de 2022

 


Lula chamou Bolsonaro para pelejar. O capitão vai encarar?

Rodrigo Augusto Prando


Há pouco, em 10 de março, Lula fez um discurso na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, de São Bernardo do Campo. Na segunda-feira, 08 de março, o Ministro Edson Fachin, do Superior Tribunal Federal (STF), anulou as condenações da Operação Lava Jato e tornou, novamente, Lula dotado de direitos políticos e apto a ser candidato. Se havia, antes, dúvidas se Lula estaria de volta ao jogo político, agora, as questões se dissipam. Sua fala e sua postura foram de candidato, de se colocar como alternativa a Bolsonaro e ao bolsonarismo.

O Partido dos Trabalhadores (PT) e Lula, direta ou indiretamente, estão presentes em todas as eleições presidenciais desde 1989. No balanço do histórico eleitoral para a presidência, o PT ganhou quatro (duas com Lula e duas com Dilma) e perdeu quatro (três com Lula e uma com Haddad). Essa trajetória não pode ser desprezada.

Vamos, contudo, ao discurso de Lula. Em primeiro lugar, Lula é possuidor de carisma e domina a oratória política como poucos. A base discursiva esteve alicerçada sobre: 1) sua condenação pela Lava Jato que, segundo ele, foi injusta; 2) demonstração de que não há, por parte dele, ódio e, por isso, não precisam ter medo dele; 3) preocupações com a pandemia, vacinas e empatia com as vítimas; 4) agradecimentos a líderes nacionais e estrangeiros; e, finalmente, 5) críticas e ataques ao Governo Bolsonaro. Claro que uma fala de quase duas horas teve mais pontos que podem - e devem - ser indicados e discutidos, todavia, fiquemos, por enquanto, nestes destacados.

Embora tenha se apresentado como livre e inocente, juridicamente, isso não é fato, já que novo julgamento será conduzido pela Vara do Distrito Federal, considerada competente por Fachin. De qualquer forma, após investigação, condenação e prisão, a decisão de Fachin é fato político, simbólico, de grande envergadura e, obviamente, seria e será explorado por Lula. Em breve, o STF julgará a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e, se confirmado, dará mais munição a Lula na construção da narrativa da perseguição política e injustiça. Inteligente que é, Lula pode modular seu discurso para uma posição mais contundente, de ataques, radical ou, então, reviver o "Lulinha paz e amor".

Ao que tudo indica, Lula quer, ainda, permanecer hegemônico no campo da esquerda, mas faz acenos ao centro político, até mesmo afirmando que é necessário dialogar com o Congresso Nacional, com líderes empresariais, movimentos sociais, sindicatos. Com isso, quer afastar-se da confrontação e do ódio presentes na visão bolsonarista de política. Neste caso, a polarização que se apresenta nos dias que correm teve, cabe lembrar, grande contribuição do lulopetismo, especialmente, ao propagar a narrativa de que o Governo FHC havia legado, ao Brasil, uma "herança maldita", bem como de se colocar na arena política a partir da divisão entre "nós" x "eles", como petistas fizeram durante seus governos.

No que tange à pandemia, Lula fez questão de apresentar, em primeiro lugar, empatia pelas vítimas da doença e, com isso, abriu a caixa de ferramentas para criticar Bolsonaro e sua desastrosa condução da crise pandêmica. Nos variados agradecimentos, essencialmente, às lideranças políticas internacionais, a intenção foi apresentar-se como um estadista, com interlocutores e aliados mundo afora, portanto, distante do isolacionismo atual. Nas variadas críticas ao atual governo, destacou a péssima gestão da saúde, educação, geração de emprego e renda, atacou os decretos de facilitação da compra de armas.

Em síntese, a ação discursiva de Lula foi capaz de realizar a maior e mais bem articulada crítica ao conjunto da obra do governo bolsonarista. E, no campo da retórica, no manejo dos cenários sociais, econômicos, políticos e governamentais, Lula, sempre apresenta o tema, indica exemplos concretos do cotidiano do brasileiro, faz suas críticas e aponta possíveis soluções a partir de sua experiência política e presidencial. Houve, até, na apresentação de Lula, críticas à mídia e à política de preços da Petrobrás e estas críticas são, quase sempre, presentes no bolsonarismo.

Ao citar a Petrobrás, relembrou da relevância da empresa no seu governo, no entanto, calou sobre a corrupção na empresa durante os anos petistas. Dirigiu críticas a Paulo Guedes, pois este só quer privatizar, vender e vender (aqui, também, Bolsonaro e Lula se aproximam nos aspectos estatizantes). Explicando a necessidade de retomada econômica, deixou claro que não é necessário ler Marx ou Delfim Neto, mas que a população e o empresariado sabem que renda gera consumo e, no conjunto, crescimento econômico (simplificação, claro, mas fixa a ideia entre os ouvintes). Dilma Rousseff, por sua vez, foi lembrada por ter sofrido um golpe, sendo relacionada à questão do petróleo no Brasil e aos interesses internacionais, mormente, dos EUA, que não querem nossa autonomia. Da crise econômica no bojo do Governo Dilma, nem uma palavra. Até o Zé Gotinha foi elogiado, como personagem suprapartidário e, no limite, um humanista, segundo Lula.

Simbolizando e acenando para o futuro próximo - 2022 - Lula fez referência que não possui o sentimento de ódio e que a Lava Jato desapareceu de sua vida. Termina com um chamamento à luta, por vacina, salário, auxílio emergencial, emprego, infraestrutura. Analistas afirmam que discursos polarizadores se retroalimentam e que o lulopetismo e bolsonarismo são próximos em muitos aspectos. Há boa dose de verdade nisso.

Todavia, algo é certo: Bolsonaro é, para Lula, o melhor adversário; mas Bolsonaro, por sua vez, desejaria, por exemplo, Haddad e não Lula. Lula chamou Bolsonaro para pelejar. O capitão vai encarar? Em 2022, Bolsonaro não será novidade, terá o desgaste de seus erros no governo, de suas falas e ações, de uma economia patinando, das milhares de mortes da covid-19 em sua gestão e será pressionado a debater, não tendo, apenas, a segurança do ambiente controlado das redes sociais.

Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.

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