No Bom Retiro, a água chegava ao joelho de quem se arriscava enfrentar o alagamento
Rio Tamanduateí, próximo à estação Armênia do Metrô no início da tarde de hoje (10) |
Luís Alberto Alves/Hourpress
São Paulo é a cara do Brasil: apanha, quase vai ao nocaute, porém consegue ficar de pé e prosseguir na luta. Em 1929, quando o rio Tietê tinha um traçado bem cheio de curvas, em nada lembrando a linha reta por onde hoje, suas águas poluídas, atravessam a cidade, até terminar sua viagem no rio Paraná; a cidade sofreu sua primeira grande enchente.
Na esquina da Rua Porto Seguro com Avenida do Estado, próximo à estação Armênia do Metrô, Ponte Pequena, Centro, um cavalete de concreto registra a altura que a água chegou após sair do rio Tamanduateí, algo em torno de 1,20 metros. Suficiente para alagar várias regiões, tanto do lado direito quanto do esquerdo do rio Tietê.
Estadão
Outra pavorosa enchente veio no ano de 1982, em março. Começou a chover de manhã, entrou pela noite e madrugada e na manhã seguinte o estrago estava feito. As zonas Norte, Leste, Oeste e Central foram as mais castigadas. No Bom Retiro, a água chegava ao joelho de quem se arriscava enfrentar o alagamento para não perder o dia de trabalho ou retornar para casa.
Igual um pacto, a fúria da enchente mostrou sua cara em 1990, desta vez no mês de abril. Do mesmo modo, chuva forte no dia anterior e com menor intensidade de tarde, e intensa de noite e madrugada e parte da manhã. Foi a primeira vez em que o jornal Estadão, cuja sede fica próximo ao rio Tietê, no início da Avenida Engenheiro Caetano Álvares, bairro do Limão, Zona Norte, foi impresso na gráfica do concorrente Folha de S. Paulo.
A então TV Manchete, com os estúdios da filial São Paulo, funcionando na Rua Ida Kolbe, a poucos metros da Caetano Álvares, não pode levar sua programação ao ar: o local acabou invadido pela água barrenta da enchente. Com três meses de Diário Popular (mais tarde Diário de S.Paulo), sai de casa às 3h da tarde, passaria na subsede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) onde era um dos diretores e às 7h da noite chegaria ao jornal.
Rio Tamanduateí perto de transbordar próximo da Estação Armênia do Metrô, no bairro da Ponte Pequena |
Consegui pegar um ônibus no começo da noite e cheguei ao trabalho às 10h da noite. Lembro-me que as ruas e avenidas do bairro da Barra Funda, Zona Oeste, principalmente próximo ao terminal rodoviário, tinha água cobrindo o calcanhar. No Diário Popular soube que vários bairros da cidade estavam alagados. Naquele dia, São Paulo literalmente parou.
Congestionamentos gigantescos, toneladas de alimentos destruídas na Ceagesp. No Terminal Rodoviário do Tietê a água suja da enchente impediu que passageiros embarcassem ou chegassem a São Paulo. Em vários trechos do rio Tietê, desde Guarulhos até o encontro com rio Pinheiros, nenhum bairro escapou dos alagamentos.
Semelhante à luta de boxe, no ringue da vida, só que desta vez em fevereiro de 2020; uma das maiores cidades da América Latina, levou outro golpe no queixo desferido pelo pouco caso das autoridades. Há décadas diversas gestões governamentais prometeram colocar um fim nas enchentes. Tudo promessa.
O aprofundamento da calha do rio Tietê já consumiu, de 1992 a 2015, recursos calculados em US$ 3,6 bilhões (R$ 14,4 bilhões). Pelo caos que a cidade enfrentou desde a noite de ontem (9) e tarde desta segunda-feira (10); neste combate, São Paulo vai conseguir respirar um pouco e aguardar o próximo soco, que só Deus sabe em que ano virá.
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