Mais um jornal impresso chega ao fim |
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A Associação Comercial de São
Paulo anunciou o fim da edição impressa do Diário do Comércio. A notícia pegou
os profissionais de surpresa na última 6ª.feira (31/10), inclusive Moisés Rabinovici, o Rabino,
diretor de Redação da publicação.
Em texto publicado em sua página
de facebook neste domingo, 2/11 (leia na íntegra abaixo), o
então diretor revela que o final do jornal se deu de forma cruel e grosseira,
sem que houvesse sequer uma última edição para se despedir e comunicar aos
leitores. Diz que a equipe de jornalistas – ele inclusive – teve senha de
computador bloqueada e negado acesso aos ramais da redação. “Fiquei revoltado”,
comentou.
Desde 2003 como diretor do DC, Rabino se
aproxima dos 50 anos de profissão. Dirigiu a Agência Estado e foi
correspondente internacional de Época, Rádio Eldorado e Estadão. Fez parte da
primeira equipe do Jornal da Tarde, em 1966.
Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, a ACSP diz que o novo
Diário do Comércio terá apenas versão digital, em nova plataforma,
provavelmente, segundo Rabiniovici, a ser capitaneada por Marcelo Tas. Na justificativa da entidade,
a extinção do impresso veio para adequar o DC à “velocidade exigida por um
mundo cada vez mais dinâmico”.
“Não é apenas uma migração para a
internet. O novo formato permite a tradução do noticiário em vídeos, a postagem
mais dinâmica de gráficos e fotografias, e a atualização mais rápida do
noticiário. Teremos, com isso, uma ferramenta que possibilita o diálogo, que identifica
os segmentos do leitor, que detecta suas reivindicações e angústias, conquistas
e motivos de comemorações.
Além disso, a mudança para a
esfera digital decorre de uma efetiva necessidade de adaptação do nosso jornal
às novas exigências do mercado de comunicação. Inúmeros títulos importantes da
mídia nacional e internacional optaram por edições exclusivamente online. A
continuidade da versão impressa do Diário do Comércio estava ameaçada por
anos de operação com resultados negativos, o que determinou a atual decisão”,
dizia nota enviada a colaboradores, diretores, leitores e anunciantes.
Na prática, a conta para manter a
versão impressa não fechava há tempos, ainda mais depois do rombo de janeiro de
2013, quando 24 dos 49 profissionais que lá trabalhavam deixaram a publicação
por causa de uma ação do Ministério Público do Trabalho em combate à
informalidade na redação. Ficaram 25 contratadoa em regime celetista.
Agora, na equipe do jornal,
permanecem apenas os colunistas. Rogério Amato, presidente da ACSP, disse
também em nota: “Somos gratos pelo empenho de todos que produziram o Diário do
Comércio em sua versão impressa. Sabemos que no setor da mídia o objetivo
prioritário é o de satisfazer os leitores. E todos nós teremos a partir de
agora um Diário do Comércio com muito mais recursos”.
O Sindicato dos Jornalistas de
São Paulo tem reunião agendada para esta 2ª.feira com representantes do jornal.
Segundo a entidade, os profissionais foram colocados em licença remunerada
supostamente por tempo indeterminado. “Nosso trabalho será o de preservar os
empregos dos jornalistas, pois a versão online também
precisará produzir conteúdo jornalístico”, disse o presidente José Augusto
Camargo.
Leia o que publicou Rabinovici em sua
página do facebook neste domingo (2/11):
“Neste momento em que conversamos aqui, estou
suspendendo todos os contratos no Diário do Comércio. O jornal acabou.” Ainda
não sei o que senti ao ouvir a inesperada sentença de morte do jornal, tão
incomensurável. Ainda não a absorvi, passados já dois dias de sua execução.
– Mas assim, nem última edição, sem
sequer despedida dos leitores?
– Nada – respondeu Rogério
Amato, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Federação das
Associações Comerciais de São Paulo (Facesp) e presidente-interino da
Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB).
– Não dá para continuar: o déficit é
insustentável – acrescentou com números que, presumo, embutiam o gasto
milionário com processos trabalhistas iniciados em 2013, quando foi demitida a
metade dos informais da redação, e a outra metade, contratada pela CLT. A banca
de advogados que assessorou a ACSP baixava um taxímetro caríssimo quando
consultada até por telefone. A conta era debitada no jornal. Hoje, feitos os
cálculos, se todos os informais fossem celetizados, na época, os gastos seriam
menores e a sangria na redação, estancada. Perdemos muitos talentos, cortamos
cadernos semanais de Cultura, Informática, Turismo e Esporte, reduzimos as
páginas do jornal e amargamos frustração, baixo astral e o dobro do trabalho.
A gerente executiva do Diário do Comércio me
demonstrou que receita e despesa quase empatavam, fazia algum tempo,
descontados os valores judiciais. Um resultado excepcional, a meu ver, depois
que perdemos um anunciante de 80 anos, o Bradesco, e logo em seguida outro
fiel, o Grupo Votorantim, ambos levados pelo dumping que prostituiu o mercado
de balanços comerciais da imprensa. Mas a ACSP insistia em manter a soma
ingrata que nos levava ao pré-sal do déficit, e o tesoureiro a propalava,
porque sempre foi contra a existência do jornal, e o assumiu abertamente desde
as primeiras reuniões mensais de orçamento entre os superintendentes de cada
área — eu respondia pela de Comunicações, dirigindo o DC e uma veneranda
revista bimestral, Digesto, fechada agora também.
Rogério Amato afastou a sentença de morte que
acabava de proferir da nossa relação pessoal. De fato, somos, fomos ou éramos
amigos. Ele me procurou, através de um amigo comum, o querido jornalista e
mestre Ewaldo Dantas, para ajudá-lo a migrar um portal de Terceiro Setor de um
servidor para outro, e “de graça”. Estávamos os três na Agência Estado e eu
brinquei, mas fui levado a sério: “Ah, bom, se é de graça, eu topo”. Nasceu daí
um convívio repartido com algumas orgulhosas “ewaldetes”, recém-formadas em
jornalismo, tão boas que depois as levei para o DC. Um dia ele me convidou para
participar de um planejamento estratégico que reformularia a ACSP, a ser
presidida por Guilherme Afif Domingos. Fui. Então, me convidaram a ficar.
Figura extraordinária, esse Afif
Domingos. Dentro dele há um ótimo jornalista nato. Sua ousadia era maior que a
nossa, editores. Criava pautas. Participava de nossas reuniões. Às vezes vinha
fazer a capa com a gente, tarde da noite. Derrubava tabus enraizados por anos,
como a de não poder dar fotos de alguns personagens do noticiário, ou não
publicar notícias negativas de associados, conselheiros ou ex-presidentes da
ACSP. Comprava brigas pela justiça e contra impostos. Nos últimos anos, sempre
que dava uma porrada no jornal, o presidente Rogério Amato me dizia:
– Você sabe que lutei para esse
jornal não acabar… E fui eu quem o trouxe para dirigi-lo.
Naquele momento, em seu escritório no Jardim
Paulista, ele estava acabando com o jornal. E se havia me contratado, estava me
demitindo. Tentei ainda obter mais uma edição do DC, a última, uma despedida,
como todos os jornais do mundo. “Não!”. Então me disse que, de alguma forma,
comunicaria o final aos leitores. Um comunicado à imprensa faria o anúncio, e
já estava pronto. Revelou escondendo que haveria alguma continuidade do
jornal-papel, mas que o forte seria a “plataforma digital” já em planejamento,
ou em testes, não me lembro direito. Antecipou o que me ofereceria por me
despedir, e me levou até o elevador.
Ao entrar no carro, tremia. Liguei para contar
à minha mulher. Depois chamei a minha assistente no DC, e anunciei o fim. Ela
só foi parar de chorar muitas horas depois. A operação desencadeada pelo
presidente Rogério Amato já tinha dizimado o setor de publicidade e
administração. Funcionários voltavam de papel à mão com licença remunerada até
o dia marcado para a demissão formal. Outros recebiam a convocação de
comparecer no RH, noutro andar. Acesa, a tela do meu computador avisava que
minha senha estava bloqueada. Minha secretária reclamava que não podia acessar
os ramais da redação. Tanta crueldade e grosseria, fiquei revoltado, fui
reclamar aos que davam ordens aos técnicos que nos pediam desculpas: “Mandaram
fazer, sabe como é…”
Abriu-se a porta do elevador no oitavo andar,
o centro de operações, e dei de cara com quem foi contratado havia quatro anos
como superintendente de Comunicações, aliás o meu cargo. Ele viria para “acabar
com gargalos”, mas me procurou uma única vez e, mesmo assim, ao tocar o celular,
pediu licença e nunca mais voltou. Eu lhe disse: “Quanta grosseria, hein?
Precisava bloquear computador?” Ele reagiu: “Pode deixar, vou cuidar disso”.
Não me contive, e disparei: “Olha, não cuide de nada. Você nunca cuidou de nada
em relação ao jornal. Por favor, fique fora”. A chefe do RH mostrou-se surpresa
com a situação. Ela é outra da gestão Amato, vinda de um banco. Tínhamos
almoçado fazia poucos dias, e com certeza o que estava acontecendo requeria um
planejamento antigo, mas ela nada disse. Estava em seu papel. Ganhei de volta
meu computador, mas com as horas contadas.
A redação encaixotava, limpava gavetas,
sentíamos todos como se estivéssemos sendo expulsos. O DC foi o último reduto
para alguns jornalistas. O que farão agora? Outros, jovens e talentosos, terão
mais chances. Ninguém entendia a urgência com que se acabava com o jornal,
faltando dois meses apenas para Rogério Amato se tornar ex-presidente em todos
os títulos com que seu nome precisa aparecer. Não havia tempo
sequer para despedidas. Hoje, domingo, enquanto escrevo piscam no monitor
pop-ups dos amigos marcando almoço, jantar ou o que for para que se revejam,
discutam e entendam o que nos aconteceu.
Circula a informação de que a “plataforma
digital” será da responsabilidade de Marcelo Tas. Tem tudo a ver: há algum
tempo ele vinha frequentando a ACSP e agora há notícias de que ele saiu da
Band. Ouvi também que os anúncios e licitações contratados serão honrados pelo
Estadão. Faz sentido: Francisco Mesquita, de volta ao jornalão, foi vice-presidente
na primeira gestão do Rogério Amato na ACSP. O elo entre os dois jornais parece
estar com um homem que nós, o Diário do Comércio e o próprio Rogério Amato,
flagramos obtendo informações privilegiadas numa disputa por nossa distribuição
e impressão entre o Diário de SP e O Estado de SP. Viram-no entrando no prédio,
na sexta-feira. Hoje ele trabalha para o inimigo que quis derrotar.
O Diário do Comércio acabou. Morreu sem o
direito a uma última edição. Viveu um período de esplendor, modernizou-se e
ganhou prêmios, entre eles dois Esso, um de Fotografia e outro de Melhor
Contribuição à Imprensa, com o Museu da Corrupção, já devidamente fora do ar. A
capa da tragédia da Maratona de Boston foi selecionada como a melhor do mundo
pelo Newseum, de Washington. Fomos pioneiros no uso da Ecofont, criada por
holandeses que nos tornaram um case para os grandes jornais europeus.
Os leitores, tão passivos antes do novo DC,
passaram a reclamar quando não o recebiam. A tiragem atingia os 25 mil, com o
represamento de tantos outros que o queriam mas não o podiam assinar, por não
serem membros da ACSP, única condição. Ele não ia para bancas por pertencer a
uma entidade de classe sem fins lucrativos. O que se vai fazer agora, a tal
“plataforma digital”, já estava a todo vapor, havia vários anos, com mais de 1
milhão de visitantes/mês. O dcomercio.com reuniu um pessoal altamente
competente, e crescia. Só não recomendei a transformação do papel em digital
porque algo me dizia, e ainda me diz, que, bem feito, com textos bem escritos,
temas inusitados, coberturas aprofundadas e edição criativa, há vida entre
jornais em extinção. A melhor morte viria da mescla possível entre as duas
plataformas, mais a amplidão de possibilidades abertas pela telefonia celular.
Gostaria de ter fotografado a minha
sala depois de esvaziada. Daria uma ótima foto para a última edição: sobre a
mesa e cadeiras, ficaram os prêmios e diplomas conquistados pela equipe
valorosa que honrou o Diário do Comércio, e aqui incluo também os jornalistas
que saíram revoltados no tsunami da formalização de 2013, e que contribuíram,
paradoxalmente, para o déficit agora apontado como nossa causa-mortis.
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