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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Geral: Versão impressa do Diário do Comércio (SP) deixa de circular



Mais um jornal impresso chega ao fim


Portal dos Jornalistas

 A Associação Comercial de São Paulo anunciou o fim da edição impressa do Diário do Comércio. A notícia pegou os profissionais de surpresa na última 6ª.feira (31/10), inclusive Moisés Rabinovici, o Rabino, diretor de Redação da publicação.
 Em texto publicado em sua página de facebook neste domingo, 2/11 (leia na íntegra abaixo), o então diretor revela que o final do jornal se deu de forma cruel e grosseira, sem que houvesse sequer uma última edição para se despedir e comunicar aos leitores. Diz que a equipe de jornalistas – ele inclusive – teve senha de computador bloqueada e negado acesso aos ramais da redação. “Fiquei revoltado”, comentou.
 Desde 2003 como diretor do DC, Rabino se aproxima dos 50 anos de profissão. Dirigiu a Agência Estado e foi correspondente internacional de Época, Rádio Eldorado e Estadão. Fez parte da primeira equipe do Jornal da Tarde, em 1966.
Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, a ACSP diz que o novo Diário do Comércio terá apenas versão digital, em nova plataforma, provavelmente, segundo Rabiniovici, a ser capitaneada por Marcelo Tas. Na justificativa da entidade, a extinção do impresso veio para adequar o DC à “velocidade exigida por um mundo cada vez mais dinâmico”.
 “Não é apenas uma migração para a internet. O novo formato permite a tradução do noticiário em vídeos, a postagem mais dinâmica de gráficos e fotografias, e a atualização mais rápida do noticiário. Teremos, com isso, uma ferramenta que possibilita o diálogo, que identifica os segmentos do leitor, que detecta suas reivindicações e angústias, conquistas e motivos de comemorações.
 Além disso, a mudança para a esfera digital decorre de uma efetiva necessidade de adaptação do nosso jornal às novas exigências do mercado de comunicação. Inúmeros títulos importantes da mídia nacional e internacional optaram por edições exclusivamente online. A continuidade da versão impressa do Diário do Comércio estava ameaçada por anos de operação com resultados negativos, o que determinou a atual decisão”, dizia nota enviada a colaboradores, diretores, leitores e anunciantes.
 Na prática, a conta para manter a versão impressa não fechava há tempos, ainda mais depois do rombo de janeiro de 2013, quando 24 dos 49 profissionais que lá trabalhavam deixaram a publicação por causa de uma ação do Ministério Público do Trabalho em combate à informalidade na redação. Ficaram 25 contratadoa em regime celetista.
 Agora, na equipe do jornal, permanecem apenas os colunistas. Rogério Amato, presidente da ACSP, disse também em nota: “Somos gratos pelo empenho de todos que produziram o Diário do Comércio em sua versão impressa. Sabemos que no setor da mídia o objetivo prioritário é o de satisfazer os leitores. E todos nós teremos a partir de agora um Diário do Comércio com muito mais recursos”.
 O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo tem reunião agendada para esta 2ª.feira com representantes do jornal. Segundo a entidade, os profissionais foram colocados em licença remunerada supostamente por tempo indeterminado. “Nosso trabalho será o de preservar os empregos dos jornalistas, pois a versão online também precisará produzir conteúdo jornalístico”, disse o presidente José Augusto Camargo.

Leia o que publicou Rabinovici em sua página do facebook neste domingo (2/11):
 “Neste momento em que conversamos aqui, estou suspendendo todos os contratos no Diário do Comércio. O jornal acabou.” Ainda não sei o que senti ao ouvir a inesperada sentença de morte do jornal, tão incomensurável. Ainda não a absorvi, passados já dois dias de sua execução.
– Mas assim, nem última edição, sem sequer despedida dos leitores?
– Nada – respondeu Rogério  Amato, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Federação das Associações Comerciais de São Paulo (Facesp) e presidente-interino da Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB).
 – Não dá para continuar: o déficit é insustentável – acrescentou com números que, presumo, embutiam o gasto milionário com processos trabalhistas iniciados em 2013, quando foi demitida a metade dos informais da redação, e a outra metade, contratada pela CLT. A banca de advogados que assessorou a ACSP baixava um taxímetro caríssimo quando consultada até por telefone. A conta era debitada no jornal. Hoje, feitos os cálculos, se todos os informais fossem celetizados, na época, os gastos seriam menores e a sangria na redação, estancada. Perdemos muitos talentos, cortamos cadernos semanais de Cultura, Informática, Turismo e Esporte, reduzimos as páginas do jornal e amargamos frustração, baixo astral e o dobro do trabalho.
 A gerente executiva do Diário do Comércio me demonstrou que receita e despesa quase empatavam, fazia algum tempo, descontados os valores judiciais. Um resultado excepcional, a meu ver, depois que perdemos um anunciante de 80 anos, o Bradesco, e logo em seguida outro fiel, o Grupo Votorantim, ambos levados pelo dumping que prostituiu o mercado de balanços comerciais da imprensa. Mas a ACSP insistia em manter a soma ingrata que nos levava ao pré-sal do déficit, e o tesoureiro a propalava, porque sempre foi contra a existência do jornal, e o assumiu abertamente desde as primeiras reuniões mensais de orçamento entre os superintendentes de cada área — eu respondia pela de Comunicações, dirigindo o DC e uma veneranda revista bimestral, Digesto, fechada agora também. 
 Rogério Amato afastou a sentença de morte que acabava de proferir da nossa relação pessoal. De fato, somos, fomos ou éramos amigos. Ele me procurou, através de um amigo comum, o querido jornalista e mestre Ewaldo Dantas, para ajudá-lo a migrar um portal de Terceiro Setor de um servidor para outro, e “de graça”. Estávamos os três na Agência Estado e eu brinquei, mas fui levado a sério: “Ah, bom, se é de graça, eu topo”. Nasceu daí um convívio repartido com algumas orgulhosas “ewaldetes”, recém-formadas em jornalismo, tão boas que depois as levei para o DC. Um dia ele me convidou para participar de um planejamento estratégico que reformularia a ACSP, a ser presidida por Guilherme Afif Domingos. Fui. Então, me convidaram a ficar.
Figura extraordinária, esse Afif Domingos. Dentro dele há um ótimo jornalista nato. Sua ousadia era maior que a nossa, editores. Criava pautas. Participava de nossas reuniões. Às vezes vinha fazer a capa com a gente, tarde da noite. Derrubava tabus enraizados por anos, como a de não poder dar fotos de alguns personagens do noticiário, ou não publicar notícias negativas de associados, conselheiros ou ex-presidentes da ACSP. Comprava brigas pela justiça e contra impostos. Nos últimos anos, sempre que dava uma porrada no jornal, o presidente Rogério Amato me dizia:
– Você sabe que lutei para esse jornal não acabar… E fui eu quem o trouxe para dirigi-lo.
 Naquele momento, em seu escritório no Jardim Paulista, ele estava acabando com o jornal. E se havia me contratado, estava me demitindo. Tentei ainda obter mais uma edição do DC, a última, uma despedida, como todos os jornais do mundo. “Não!”. Então me disse que, de alguma forma, comunicaria o final aos leitores. Um comunicado à imprensa faria o anúncio, e já estava pronto. Revelou escondendo que haveria alguma continuidade do jornal-papel, mas que o forte seria a “plataforma digital” já em planejamento, ou em testes, não me lembro direito. Antecipou o que me ofereceria por me despedir, e me levou até o elevador.
 Ao entrar no carro, tremia. Liguei para contar à minha mulher. Depois chamei a minha assistente no DC, e anunciei o fim. Ela só foi parar de chorar muitas horas depois. A operação desencadeada pelo presidente Rogério Amato já tinha dizimado o setor de publicidade e administração. Funcionários voltavam de papel à mão com licença remunerada até o dia marcado para a demissão formal. Outros recebiam a convocação de comparecer no RH, noutro andar. Acesa, a tela do meu computador avisava que minha senha estava bloqueada. Minha secretária reclamava que não podia acessar os ramais da redação. Tanta crueldade e grosseria, fiquei revoltado, fui reclamar aos que davam ordens aos técnicos que nos pediam desculpas: “Mandaram fazer, sabe como é…”
 Abriu-se a porta do elevador no oitavo andar, o centro de operações, e dei de cara com quem foi contratado havia quatro anos como superintendente de Comunicações, aliás o meu cargo. Ele viria para “acabar com gargalos”, mas me procurou uma única vez e, mesmo assim, ao tocar o celular, pediu licença e nunca mais voltou. Eu lhe disse: “Quanta grosseria, hein? Precisava bloquear computador?” Ele reagiu: “Pode deixar, vou cuidar disso”. Não me contive, e disparei: “Olha, não cuide de nada. Você nunca cuidou de nada em relação ao jornal. Por favor, fique fora”. A chefe do RH mostrou-se surpresa com a situação. Ela é outra da gestão Amato, vinda de um banco. Tínhamos almoçado fazia poucos dias, e com certeza o que estava acontecendo requeria um planejamento antigo, mas ela nada disse. Estava em seu papel. Ganhei de volta meu computador, mas com as horas contadas.
 A redação encaixotava, limpava gavetas, sentíamos todos como se estivéssemos sendo expulsos. O DC foi o último reduto para alguns jornalistas. O que farão agora? Outros, jovens e talentosos, terão mais chances. Ninguém entendia a urgência com que se acabava com o jornal, faltando dois meses apenas para Rogério Amato se tornar ex-presidente em todos os títulos com que seu nome precisa aparecer.   Não havia tempo sequer para despedidas. Hoje, domingo, enquanto escrevo piscam no monitor pop-ups dos amigos marcando almoço, jantar ou o que for para que se revejam, discutam e entendam o que nos aconteceu.
 Circula a informação de que a “plataforma digital” será da responsabilidade de Marcelo Tas. Tem tudo a ver: há algum tempo ele vinha frequentando a ACSP e agora há notícias de que ele saiu da Band. Ouvi também que os anúncios e licitações contratados serão honrados pelo Estadão. Faz sentido: Francisco Mesquita, de volta ao jornalão, foi vice-presidente na primeira gestão do Rogério Amato na ACSP. O elo entre os dois jornais parece estar com um homem que nós, o Diário do Comércio e o próprio Rogério Amato, flagramos obtendo informações privilegiadas numa disputa por nossa distribuição e impressão entre o Diário de SP e O Estado de SP. Viram-no entrando no prédio, na sexta-feira. Hoje ele trabalha para o inimigo que quis derrotar.
 O Diário do Comércio acabou. Morreu sem o direito a uma última edição. Viveu um período de esplendor, modernizou-se e ganhou prêmios, entre eles dois Esso, um de Fotografia e outro de Melhor Contribuição à Imprensa, com o Museu da Corrupção, já devidamente fora do ar. A capa da tragédia da Maratona de Boston foi selecionada como a melhor do mundo pelo Newseum, de Washington. Fomos pioneiros no uso da Ecofont, criada por holandeses que nos tornaram um case para os grandes jornais europeus.
 Os leitores, tão passivos antes do novo DC, passaram a reclamar quando não o recebiam. A tiragem atingia os 25 mil, com o represamento de tantos outros que o queriam mas não o podiam assinar, por não serem membros da ACSP, única condição. Ele não ia para bancas por pertencer a uma entidade de classe sem fins lucrativos. O que se vai fazer agora, a tal “plataforma digital”, já estava a todo vapor, havia vários anos, com mais de 1 milhão de visitantes/mês. O dcomercio.com reuniu um pessoal altamente competente, e crescia. Só não recomendei a transformação do papel em digital porque algo me dizia, e ainda me diz, que, bem feito, com textos bem escritos, temas inusitados, coberturas aprofundadas e edição criativa, há vida entre jornais em extinção. A melhor morte viria da mescla possível entre as duas plataformas, mais a amplidão de possibilidades abertas pela telefonia celular.
Gostaria de ter fotografado a minha sala depois de esvaziada. Daria uma ótima foto para a última edição: sobre a mesa e cadeiras, ficaram os prêmios e diplomas conquistados pela equipe valorosa que honrou o Diário do Comércio, e aqui incluo também os jornalistas que saíram revoltados no tsunami da formalização de 2013, e que contribuíram, paradoxalmente, para o déficit agora apontado como nossa causa-mortis.



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