Livro retrata vida do político, que se tornou símbolo de corrupção |
Redação
Em tempos de política e eleições, nada melhor
para refrescar a memória da política brasileira do que a biografia de um de
seus políticos mais emblemáticos. Esperto, oportunista, difícil de definir se
pertencia à direita ou à esquerda ou mesmo ao centro, amigo dos militares
durante a ditadura quando lhe convinha e também inimigo deles conforme suas
venetas, Adhemar de Barros, nascido em 1901 na cidade de Piracicaba, SP, e
falecido em Paris em 1969, foi um grande personagem, digno de um livro como
este.
Adhemar – Fé em Deus e pé na tábua (Geração
Editorial, 368 págs., R$ 34,90) de autoria do jornalista Amilton Lovato, é um
livro que faz justiça ao perfil desse personagem, a um só tempo divertido e por
várias vezes astuto e corrupto comprovado, que reinou por longo tempo na
política paulista, sem alcançar dimensões brasileiras, mas exercendo grande
influência, por seu estilo imprevisível, espontâneo, populista e sem marca
ideológica definida. Um estilo que se baseou na esperteza e na habilidade
“vira-casaca” de ir se adaptando aos ventos da política conforme as
necessidades circunstanciais. No mar de indefinição ideológica que reina no
país até hoje, a história de Adhemar parece profetizar tempos em que o
oportunismo seria mesmo a regra e ninguém mais se importaria com ideologia
alguma, visto que o eleitor brasileiro é um notório adepto de personalidades,
não de partidos.
Com uma abundância de informações
documentadas, Amilton Lovato nos relata a vida de Adhemar desde os seus
primórdios. Filho de um importante fazendeiro de café de São Manoel, SP, ele
pertencia à classe dominante (a despeito de ter conquistado a fama de populista
anos depois), tendo se formado médico na Europa. Tendo família rica, poderia
ter seguido como médico, mas a Revolução Constitucional de 1932 o atraiu, e
nela foi promovido a capitão médico. Sua oposição ao governo ditatorial de
Getúlio Vargas, no entanto, durou até que, no exílio, fosse anistiado pelo
ditador. Anistiado por este, elegeu-se deputado por São Paulo em 1934, e, mesmo
São Paulo se opondo a Getúlio, ele conseguiu ser nomeado interventor federal
pelo governo.
Militando primeiro na famosa UDN, Adhemar
apoiou o brigadeiro Eduardo Gomes a Presidente da República e fundou um
partido, PRP, seguido por outro, PSP, fundindo partidos menores. Não se tratava
senão de uma prática conhecida na política brasileira: um pequeno partido a
serviço de uma personalidade cuja maior característica é o ego, o personalismo,
nada além de um veículo para galgar postos na política, e veículo que não o amarrava
ideologicamente a nada ou ninguém. Adhemar era um temperamental, um
personalista caprichoso, ainda que um temperamental com senso de humor,
bonachão, o que o popularizava.
Foi governador de São Paulo entre 1947 e
1951, outra vez apoiando Vargas e fazendo Lucas Garcez seu sucessor. A
lealdade partidária não era mesmo com ele, pois se celebrizava pelas
declarações intempestivas em que se colocava à frente ou à margem das
deliberações partidárias, constituindo um problema para o qual só ele mesmo era
a solução, espertamente.
Em 1954, deparou-se com um personalista tão grande e
arbitrário quanto ele, Jânio Quadros, que se elegeu prefeito de São Paulo.
Ainda arriscou a Presidência da República, mas perdeu para Juscelino
Kubitscheck em 1955. Seus negócios duvidosos acabaram dando-lhe condenação de
dois anos de prisão por peculato. Sua saída foi refugiar-se no Paraguai e na
Bolívia, sendo posteriormente absolvido. Em 1957, elegeu-se
prefeito de São Paulo. Ele sabia não sair da política e só se manter à distância
enquanto lhe convinha. Mas sofreu mais duas grandes perdas: em 1960, a eleição
de governador para Carvalho Pinto, e em 1960, a eleição à presidente da
República para Jânio Quadros.
A imprensa o tinha por claramente corrupto
(sofreu sistemática perseguição do jornal O Estado de
S.Paulo), mas sua corrupção não parecia diminuir sua aceitação
popular, sua simpatia, o que indicava certa complacência do povo para com suas
atitudes: era a famosa “caixinha do Adhemar”, com que compraria votos para suas
conveniências. Seu carisma e suas vitórias consecutivas na política pareciam
confirmar o slogan de “rouba, mas faz”. Ele tinha humor e réplicas prontas que
ficaram famosas no anedotário político. O título do livro é um provérbio que
ele repetia, para justificar sua opção pela ação cega.
Entre 1963 e 1966, tornou-se de novo
governador de São Paulo, dessa vez derrotando Jânio Quadros, que depois da
famosa “renúncia” perdera seu eleitorado. Mas surgiu então a revolução de 1964,
instaurando os militares no poder, e o Marechal Castelo Branco foi premiado com
o epíteto de “cabeça chata” pelo irreverente Adhemar, o que fez com que São
Paulo entrasse em guerra surda com o governo federal. O apoio que Adhemar deu
ao Golpe Militar de 1964 foi, como tudo em sua carreira, ambíguo, pois a
suposta revolução viu por bem exilá-lo naqueles anos em que foram exilados
também governadores como Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Miguel Arraes, JK, e
quaisquer políticos que ostentassem uma vaga oposição ao regime vigente.
O livro ainda conta com um posfácio sobre o
famoso roubo do cofre do Adhemar que ficou em posse do Drº Rui, alcunha dada
para sua famosa e conhecida amante Ana Capriglione.
Por todas as suas contradições, suas atitudes
divertidas e contravertidas, seu braço corruptor e suas tiradas de grande
repercussão, Adhemar tornou-se um dos mais ricos personagens da cena política
brasileira. Assim revela Amilton Lovato com competência e sabor, em uma
narrativa ágil, leve, fluente e ao mesmo tempo profunda e documental.
Amilton Lovato
Amilton Lovato, autor desta divertida e reveladora biografia, é formado em Direito pela PUC de Campinas, advogou por muitos anos e trabalhou no mercado editorial com livros comemorativos para empresas, mas não foi bem sucedido e voltou a advogar. No entanto, não deixou de lado seu sonho de ser jornalista e decidiu retornar com esse livro, biografando esse político que tanta importância teve na história política brasileira e hoje se encontra meio esquecido, embora o “adhemarismo”, seu legado, seja prática muito corrente, ainda que sob outros nomes, no cenário partidário brasileiro.
Entrevista
com o autor
O
personagem principal é uma figura folclórica da política brasileira. Ele foi o
primeiro político a ter esse comportamento?
Não. Já havia personagens folclóricos em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste. Mas, em São Paulo, Adhemar inaugurou um estilo muito particular, pois até então a política por aqui era dominada por pessoas provenientes das famílias mais tradicionais, que mantinham uma rigidez própria desses setores.
Não. Já havia personagens folclóricos em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste. Mas, em São Paulo, Adhemar inaugurou um estilo muito particular, pois até então a política por aqui era dominada por pessoas provenientes das famílias mais tradicionais, que mantinham uma rigidez própria desses setores.
Como
foi o processo de apuração? A família ajudou?
Eu diria que a família não atrapalhou. Adhemar Filho, procurado, deu algumas dicas sobre o personagem, mas não quis conceder entrevista. Sua irmã, Mariazinha, agiu da mesma forma.
Eu diria que a família não atrapalhou. Adhemar Filho, procurado, deu algumas dicas sobre o personagem, mas não quis conceder entrevista. Sua irmã, Mariazinha, agiu da mesma forma.
Por
que você resolveu escrever sobre Adhemar de Barros?
Sempre achei Adhemar uma figura mal explorada. Existem vários livros sobre ele, mas todos, sem exceção, com algum tipo de viés. Os mais comuns são as teses acadêmicas, com foco na parte política. Também é possível encontrar obras escritas por amigos ou inimigos, que, conforme o caso, pretenderam elogiá-lo ou execrá-lo. Faltava, a meu ver, uma biografia isenta.
Sempre achei Adhemar uma figura mal explorada. Existem vários livros sobre ele, mas todos, sem exceção, com algum tipo de viés. Os mais comuns são as teses acadêmicas, com foco na parte política. Também é possível encontrar obras escritas por amigos ou inimigos, que, conforme o caso, pretenderam elogiá-lo ou execrá-lo. Faltava, a meu ver, uma biografia isenta.
O
livro é contra ou a favor do ex-governador?
Nem contra, nem a favor. Como eu disse, é uma obra isenta. Adhemar era uma figura controvertida, e o livro procura explorar amplamente suas ambiguidades.
Nem contra, nem a favor. Como eu disse, é uma obra isenta. Adhemar era uma figura controvertida, e o livro procura explorar amplamente suas ambiguidades.
Ele
roubava, mas fazia mesmo?
Adhemar não tinha nenhum controle sobre o dinheiro público, defeito que lhe trouxe sérias consequências ao longo da vida. Além disso, criou uma caixinha alimentada com contribuições de fontes diversas, fato que ele próprio e seus partidários confirmaram em mais de uma ocasião. Mas era inegavelmente um realizador. Ele foi responsável pela construção do Hospital das Clínicas, pelas rodovias Anhanguera e Anchieta, pela eletrificação da Sorocabana.
Adhemar não tinha nenhum controle sobre o dinheiro público, defeito que lhe trouxe sérias consequências ao longo da vida. Além disso, criou uma caixinha alimentada com contribuições de fontes diversas, fato que ele próprio e seus partidários confirmaram em mais de uma ocasião. Mas era inegavelmente um realizador. Ele foi responsável pela construção do Hospital das Clínicas, pelas rodovias Anhanguera e Anchieta, pela eletrificação da Sorocabana.
Ele
era corrupto ou desleixado com as contas?
Era desleixado, totalmente. Mas teve também contra si várias acusações de corrupção que deixou sem resposta.
Era desleixado, totalmente. Mas teve também contra si várias acusações de corrupção que deixou sem resposta.
Podemos
dizer que Adhemar de Barros foi o criador do caixa 2 para as campanhas
eleitorais brasileiras?
Não acredito que tenha sido o criador, mas foi quem aperfeiçoou a prática.
Não acredito que tenha sido o criador, mas foi quem aperfeiçoou a prática.
Apesar
de pertencer à elite conservadora paulista, o ex-governador tinha ideias
progressistas, como, por exemplo, a cota para estudantes negros. Como explicar
isso? Quais eram as outras ideias progressistas?
Adhemar cresceu em São Manuel, na fazenda de seu pai, e teve contato desde cedo com as classes menos favorecidas. Sua família, apesar de abastada, tinha hábitos simples. Ele circulava com desenvoltura em todos os meios. Creio que isso tenha ajudado muito. A universalização da saúde e da educação era outra ideia progressista.
Adhemar cresceu em São Manuel, na fazenda de seu pai, e teve contato desde cedo com as classes menos favorecidas. Sua família, apesar de abastada, tinha hábitos simples. Ele circulava com desenvoltura em todos os meios. Creio que isso tenha ajudado muito. A universalização da saúde e da educação era outra ideia progressista.
Getúlio
Vargas foi um grande amigo ou inimigo?
Getúlio foi ardiloso em relação a Adhemar, como em geral com todos à sua volta. Ao nomeá-lo interventor, em 1938, ele tinha a intenção de manter o controle sobre São Paulo, o estado rebelde, por meio de um desconhecido que ficaria lhe devendo um enorme favor, e contra quem não haveria grandes oposições, pois se tratava de um paulista. Quando viu que Adhemar poderia ameaçar suas pretensões, tirou-lhe o apoio.
Getúlio foi ardiloso em relação a Adhemar, como em geral com todos à sua volta. Ao nomeá-lo interventor, em 1938, ele tinha a intenção de manter o controle sobre São Paulo, o estado rebelde, por meio de um desconhecido que ficaria lhe devendo um enorme favor, e contra quem não haveria grandes oposições, pois se tratava de um paulista. Quando viu que Adhemar poderia ameaçar suas pretensões, tirou-lhe o apoio.
O
que significava a figura de Jânio Quadros para Adhemar?
O grande rival. O antagonista. O inimigo político.
O grande rival. O antagonista. O inimigo político.
Podemos
dizer que Adhemar de Barros fez uma escola na forma de governar e de se
posicionar?
Sem dúvida. Ele influenciou muitos políticos de sua época.
Sem dúvida. Ele influenciou muitos políticos de sua época.
Quem
seriam os grandes herdeiros do adhemarismo?
No PSP, o partido de Adhemar, algumas figuras estavam se preparando para sucedê-lo, mas a ditadura militar instaurada em 1964 interrompeu esse processo, sufocando as influências civis e criando um hiato entre as gerações de políticos. Atualmente, não há herdeiros.
No PSP, o partido de Adhemar, algumas figuras estavam se preparando para sucedê-lo, mas a ditadura militar instaurada em 1964 interrompeu esse processo, sufocando as influências civis e criando um hiato entre as gerações de políticos. Atualmente, não há herdeiros.
Como
era o relacionamento com Ana Capriglione?
Era um romance que extravasava para o lado político. Com o passar do tempo, ela adquiriu uma força contra a qual não havia concorrência à altura. Para ser aceito por Adhemar, era preciso ser aceito por ela. Isso ocorreu principalmente no último mandato de Adhemar como governador, de 1963 a 1966.
Era um romance que extravasava para o lado político. Com o passar do tempo, ela adquiriu uma força contra a qual não havia concorrência à altura. Para ser aceito por Adhemar, era preciso ser aceito por ela. Isso ocorreu principalmente no último mandato de Adhemar como governador, de 1963 a 1966.
Por
que ela era chamada de Dr. Rui?
Não se sabe. Talvez Adhemar tenha inventado o codinome, por impulso ou para despistar. Mas mesmo isso seria contraditório, pois ele não fazia esforço nenhum para esconder o relacionamento.
Não se sabe. Talvez Adhemar tenha inventado o codinome, por impulso ou para despistar. Mas mesmo isso seria contraditório, pois ele não fazia esforço nenhum para esconder o relacionamento.
E
o roubo do cofre, podemos dizer que o dinheiro vinha mesmo do caixa 2 do
ex-governador?
É a explicação mais provável.
É a explicação mais provável.
Serviço:
Adhemar
– Fé em Deus e pé na tábua
Autor: Amilton
Lovato
Gênero: Biografia
Acabamento: Brochura
Formato: 15,6x23cm
Págs.: 368
Peso: 515g
ISBN: 9788581302508
Preço: R$ 34,90
Também disponível em e-book.
Gênero: Biografia
Acabamento: Brochura
Formato: 15,6x23cm
Págs.: 368
Peso: 515g
ISBN: 9788581302508
Preço: R$ 34,90
Também disponível em e-book.
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