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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Variedades: Livro conta a história do político Adhemar de Barros




Livro retrata vida do político, que se tornou símbolo de corrupção
Redação

 Em tempos de política e eleições, nada melhor para refrescar a memória da política brasileira do que a biografia de um de seus políticos mais emblemáticos. Esperto, oportunista, difícil de definir se pertencia à direita ou à esquerda ou mesmo ao centro, amigo dos militares durante a ditadura quando lhe convinha e também inimigo deles conforme suas venetas, Adhemar de Barros, nascido em 1901 na cidade de Piracicaba, SP, e falecido em Paris em 1969, foi um grande personagem, digno de um livro como este.

 Adhemar – Fé em Deus e pé na tábua (Geração Editorial, 368 págs., R$ 34,90) de autoria do jornalista Amilton Lovato, é um livro que faz justiça ao perfil desse personagem, a um só tempo divertido e por várias vezes astuto e corrupto comprovado, que reinou por longo tempo na política paulista, sem alcançar dimensões brasileiras, mas exercendo grande influência, por seu estilo imprevisível, espontâneo, populista e sem marca ideológica definida. Um estilo que se baseou na esperteza e na habilidade “vira-casaca” de ir se adaptando aos ventos da política conforme as necessidades circunstanciais. No mar de indefinição ideológica que reina no país até hoje, a história de Adhemar parece profetizar tempos em que o oportunismo seria mesmo a regra e ninguém mais se importaria com ideologia alguma, visto que o eleitor brasileiro é um notório adepto de personalidades, não de partidos.

 Com uma abundância de informações documentadas, Amilton Lovato nos relata a vida de Adhemar desde os seus primórdios. Filho de um importante fazendeiro de café de São Manoel, SP, ele pertencia à classe dominante (a despeito de ter conquistado a fama de populista anos depois), tendo se formado médico na Europa. Tendo família rica, poderia ter seguido como médico, mas a Revolução Constitucional de 1932 o atraiu, e nela foi promovido a capitão médico. Sua oposição ao governo ditatorial de Getúlio Vargas, no entanto, durou até que, no exílio, fosse anistiado pelo ditador. Anistiado por este, elegeu-se deputado por São Paulo em 1934, e, mesmo São Paulo se opondo a Getúlio, ele conseguiu ser nomeado interventor federal pelo governo.

  Militando primeiro na famosa UDN, Adhemar apoiou o brigadeiro Eduardo Gomes a Presidente da República e fundou um partido, PRP, seguido por outro, PSP, fundindo partidos menores. Não se tratava senão de uma prática conhecida na política brasileira: um pequeno partido a serviço de uma personalidade cuja maior característica é o ego, o personalismo, nada além de um veículo para galgar postos na política, e veículo que não o amarrava ideologicamente a nada ou ninguém. Adhemar era um temperamental, um personalista caprichoso, ainda que um temperamental com senso de humor, bonachão, o que o popularizava.

 Foi governador de São Paulo entre 1947 e 1951,  outra vez apoiando Vargas e fazendo Lucas Garcez seu sucessor. A lealdade partidária não era mesmo com ele, pois se celebrizava pelas declarações intempestivas em que se colocava à frente ou à margem das deliberações partidárias, constituindo um problema para o qual só ele mesmo era a solução, espertamente. 
Em 1954, deparou-se com um personalista tão grande e arbitrário quanto ele, Jânio Quadros, que se elegeu prefeito de São Paulo. Ainda arriscou a Presidência da República, mas perdeu para Juscelino Kubitscheck em 1955. Seus negócios duvidosos acabaram dando-lhe condenação de dois anos de prisão por peculato. Sua saída foi refugiar-se no Paraguai e na Bolívia, sendo posteriormente absolvido. Em 1957,   elegeu-se prefeito de São Paulo. Ele sabia não sair da política e só se manter à distância enquanto lhe convinha. Mas sofreu mais duas grandes perdas: em 1960, a eleição de governador para Carvalho Pinto, e em 1960,  a eleição à presidente da República para Jânio Quadros.

 A imprensa o tinha por claramente corrupto (sofreu sistemática perseguição do jornal O Estado de S.Paulo), mas sua corrupção não parecia diminuir sua aceitação popular, sua simpatia, o que indicava certa complacência do povo para com suas atitudes: era a famosa “caixinha do Adhemar”, com que compraria votos para suas conveniências. Seu carisma e suas vitórias consecutivas na política pareciam confirmar o slogan de “rouba, mas faz”. Ele tinha humor e réplicas prontas que ficaram famosas no anedotário político. O título do livro é um provérbio que ele repetia, para justificar sua opção pela ação cega.

 Entre 1963 e 1966, tornou-se de novo governador de São Paulo, dessa vez derrotando Jânio Quadros, que depois da famosa “renúncia” perdera seu eleitorado. Mas surgiu então a revolução de 1964, instaurando os militares no poder, e o Marechal Castelo Branco foi premiado com o epíteto de “cabeça chata” pelo irreverente Adhemar, o que fez com que São Paulo entrasse em guerra surda com o governo federal. O apoio que Adhemar deu ao Golpe Militar de 1964 foi, como tudo em sua carreira, ambíguo, pois a suposta revolução viu por bem exilá-lo naqueles anos em que foram exilados também governadores como Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Miguel Arraes, JK, e quaisquer políticos que ostentassem uma vaga oposição ao regime vigente.

 O livro ainda conta com um posfácio sobre o famoso roubo do cofre do Adhemar que ficou em posse do Drº Rui, alcunha dada para sua famosa e conhecida amante Ana Capriglione. 
 Por todas as suas contradições, suas atitudes divertidas e contravertidas, seu braço corruptor e suas tiradas de grande repercussão, Adhemar tornou-se um dos mais ricos personagens da cena política brasileira. Assim revela Amilton Lovato com competência e sabor, em uma narrativa ágil, leve, fluente e ao mesmo tempo profunda e documental.
                                                        Amilton Lovato
 
Amilton Lovato, autor desta divertida e reveladora biografia, é formado em Direito pela PUC de Campinas, advogou por muitos anos e trabalhou no mercado editorial com livros comemorativos para empresas, mas não foi bem sucedido e voltou a advogar. No entanto, não deixou de lado seu sonho de ser jornalista e decidiu retornar com esse livro, biografando esse político que tanta importância teve na história política brasileira e hoje se encontra meio esquecido, embora o “adhemarismo”, seu legado, seja prática muito corrente, ainda que sob outros nomes, no cenário partidário brasileiro.

                                                        Entrevista com o autor
O personagem principal é uma figura folclórica da política brasileira. Ele foi o primeiro político a ter esse comportamento?
Não. Já havia personagens folclóricos em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste. Mas, em São Paulo, Adhemar inaugurou um estilo muito particular, pois até então a política por aqui era dominada por pessoas provenientes das famílias mais tradicionais, que mantinham uma rigidez própria desses setores.

Como foi o processo de apuração? A família ajudou?
Eu diria que a família não atrapalhou. Adhemar Filho, procurado, deu algumas dicas sobre o personagem, mas não quis conceder entrevista. Sua irmã, Mariazinha, agiu da mesma forma.
Por que você resolveu escrever sobre Adhemar de Barros?
Sempre achei Adhemar uma figura mal explorada. Existem vários livros sobre ele, mas todos, sem exceção, com algum tipo de viés. Os mais comuns são as teses acadêmicas, com foco na parte política. Também é possível encontrar obras escritas por amigos ou inimigos, que, conforme o caso, pretenderam elogiá-lo ou execrá-lo. Faltava, a meu ver, uma biografia isenta.

O livro é contra ou a favor do ex-governador?
Nem contra, nem a favor. Como eu disse, é uma obra isenta. Adhemar era uma figura controvertida, e o livro procura explorar amplamente suas ambiguidades.
Ele roubava, mas fazia mesmo?
Adhemar não tinha nenhum controle sobre o dinheiro público, defeito que lhe trouxe sérias consequências ao longo da vida. Além disso, criou uma caixinha alimentada com contribuições de fontes diversas, fato que ele próprio e seus partidários confirmaram em mais de uma ocasião. Mas era inegavelmente um realizador. Ele foi responsável pela construção do Hospital das Clínicas, pelas rodovias Anhanguera e Anchieta, pela eletrificação da Sorocabana.

Ele era corrupto ou desleixado com as contas?
Era desleixado, totalmente. Mas teve também contra si várias acusações de corrupção que deixou sem resposta.
Podemos dizer que Adhemar de Barros foi o criador do caixa 2 para as campanhas eleitorais brasileiras?
Não acredito que tenha sido o criador, mas foi quem aperfeiçoou a prática.

Apesar de pertencer à elite conservadora paulista, o ex-governador tinha ideias progressistas, como, por exemplo, a cota para estudantes negros. Como explicar isso? Quais eram as outras ideias progressistas?
Adhemar cresceu em São Manuel, na fazenda de seu pai, e teve contato desde cedo com as classes menos favorecidas. Sua família, apesar de abastada, tinha hábitos simples. Ele circulava com desenvoltura em todos os meios. Creio que isso tenha ajudado muito. A universalização da saúde e da educação era outra ideia progressista.
Getúlio Vargas foi um grande amigo ou inimigo?
Getúlio foi ardiloso em relação a Adhemar, como em geral com todos à sua volta. Ao nomeá-lo interventor, em 1938, ele tinha a intenção de manter o controle sobre São Paulo, o estado rebelde, por meio de um desconhecido que ficaria lhe devendo um enorme favor, e contra quem não haveria grandes oposições, pois se tratava de um paulista. Quando viu que Adhemar poderia ameaçar suas pretensões, tirou-lhe o apoio.

O que significava a figura de Jânio Quadros para Adhemar?
O grande rival. O antagonista. O inimigo político.
Podemos dizer que Adhemar de Barros fez uma escola na forma de governar e de se posicionar?
Sem dúvida. Ele influenciou muitos políticos de sua época.
Quem seriam os grandes herdeiros do adhemarismo?
No PSP, o partido de Adhemar, algumas figuras estavam se preparando para sucedê-lo, mas a ditadura militar instaurada em 1964 interrompeu esse processo, sufocando as influências civis e criando um hiato entre as gerações de políticos. Atualmente, não há herdeiros.

Como era o relacionamento com Ana Capriglione?
Era um romance que extravasava para o lado político. Com o passar do tempo, ela adquiriu uma força contra a qual não havia concorrência à altura. Para ser aceito por Adhemar, era preciso ser aceito por ela. Isso ocorreu principalmente no último mandato de Adhemar como governador, de 1963 a 1966.
Por que ela era chamada de Dr. Rui?
Não se sabe. Talvez Adhemar tenha inventado o codinome, por impulso ou para despistar. Mas mesmo isso seria contraditório, pois ele não fazia esforço nenhum para esconder o relacionamento.
E o roubo do cofre, podemos dizer que o dinheiro vinha mesmo do caixa 2 do ex-governador?
É a explicação mais provável.

 Serviço: 
 Adhemar – Fé em Deus e pé na tábua 
Autor:  Amilton Lovato
Gênero: Biografia
Acabamento: Brochura
Formato:  15,6x23cm
Págs.: 368
Peso: 515g
ISBN:  9788581302508
Preço: R$ 34,90
Também disponível em e-book.


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