Caleb Solomão*
Templos do consumo são profanados por hostes
de despossuídos, denunciados por sua aparência estereotipada, que nega
capacidade econômica compatível com as liturgias do consumo em shopping center.
As hostes que cruzam fronteiras socioeconômicas e geográficas e saem de seus
guetos despertam o horror e ameaçam outros territórios.
Detentores dos direitos constitucionais quiçá
ameaçados encontram no Judiciário a ponderação de interesses que torna
aparentemente razoável solapar os direitos igualmente constitucionais dos
“hereges”. Liminares são concedidas. O Estado se alia ao poder econômico nas
práticas de assepsia. Muros jurídicos erguidos pela parceria público-privada
fazem reinar a paz no interior do templo.
Nada errado se os administradores dos
shoppings demonstrarem inequivocamente – talvez por meio dos textos das
convocações e das respostas confirmatórias de presença – que maus intentos
inspiram o “rolezinho”. Diante de justo receio, pessoas devem recorrer ao
Estado Judicial. É também admissível que, no território sob sua gestão, elas
reprimam condutas ilícitas, observando os limites da legalidade.
Tudo errado, porém, se ausente ânimo hostil
nos participantes do movimento. Os argumentos comumente usados pelos shoppings
são insuficientes: revelam intuito protetivo de bens (patrimônio material e
integridade física) que não estão objetivamente ameaçados. E atuar de modo
preventivo, sob orientação de presunções decorrentes de preconceito de classe,
promove segregação social e é incompatível com a ordem constitucional.
Se a convocação dos “rolezinhos” não incita à
violência, a ausência de objetivos hostis dos participantes torna
inconstitucional qualquer decisão proibitiva tomada a priori.
Apenas intenções explícitas de prática de
crimes poderiam autorizar o Judiciário - num contorcionismo hermenêutico de
baixa complexidade – proibir a reunião de pessoas no interior de um shopping.
Afinal, para todos os fins, elas respondem a uma convocação social de fins
pacíficos, ainda que se dê um contorno político (de protesto) ao encontro.
A proibição preventiva do modo como tem sido
feita não traz bons augúrios. Se queremos construir a sociedade democrática e
igualitária, baseada em direitos fundamentais - que está desenhada na
Constituição da República - é preciso aprender a conviver com as diferenças,
inclusive dentro do Templo. Admite-se a repressão do ilícito, mas não a sua
presunção descabida para afastar os ditos indesejáveis.
*Caleb Salomão é advogado com pós-graduação lato sensu em Direito Tributário e Direito da Economia e da Empresa e Mestrado em Direito Constitucional. A atuação profissional como advogado está concentrada em Direito Societário/Sucessões, Direito de Família/Sucessões e Direito Constitucional e Administrativo. Leciona Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Vitória (FDV), onde concebeu e implantou o projeto jurídico-pedagógico denominado “Constituição no Concreto”, experiência acadêmica que estimula os acadêmicos a refletirem sobre condutas, públicas e privadas, que desrespeitam as normas constitucionais. Este projeto colhe elementos que servem tanto como atividade avaliativa quanto para instrumentalizar intervenções socioconstitucionais, seja pela via administrativa, seja pela via judicial. Os interesses intelectuais de Caleb Salomão estão entre “Política e Direito” e “Filosofia e Comportamento”, temas sobre os quais faz palestras.
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