A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (26) proposta que prevê o repasse de R$ 4 bilhões da União aos municípios com mais de 200 mil habitantes e também aos estados e ao Distrito Federal para garantir o serviço de transporte público coletivo de passageiros em razão da pandemia de Covid-19. O texto seguirá para análise do Senado.
O Projeto de Lei 3364/20, do deputado Fabio Schiochet (PSL-SC), foi aprovado na forma do substitutivo apresentado pelo relator, deputado Hildo Rocha (MDB-MA). Conforme o relator, além das empresas privadas, poderão receber recursos as empresas públicas ou de economia mista que realizem o serviço de transporte, como empresas de metrô.
Todos os interessados deverão assinar termo de adesão e seguir suas condições para poder receber o dinheiro federal. No caso das empresas públicas ou de economia mista, o repasse será proporcional ao número de passageiros transportados em relação ao total transportado sob a gestão do ente (município ou estado).
O socorro deve-se à queda de renda das empresas de transporte público urbano ou semiurbano devido às medidas de combate ao novo coronavírus, como isolamento social e fechamento de indústrias e comércio.
Compromissos
No termo de adesão, deverão constar vários compromissos, como o de rever os contratos de transporte até 31 de dezembro de 2021. O ente federado deverá ainda adotar instrumentos para priorizar o transporte coletivo, como faixas de pedestres, ciclovias e sinalização.
O termo de adesão também deverá conter os critérios para repartição dos recursos entre os operadores de transporte; as diretrizes para substituição gradual de combustíveis fósseis por renováveis; e a proibição de concessão de novas gratuidades nas tarifas sem a contraprestação do governo ou a permissão para o operador do serviço obter receitas acessórias a fim de não aumentar a tarifa dos usuários pagantes.
O texto determina que a revisão dos contratos de transporte público deverá tratar de aspectos como o aumento de receitas, a redução de custos, a otimização da rede de transportes e outros mecanismos para reequilibrar os contratos. Todas essas medidas devem somar o mesmo tanto recebido do governo federal, exceto se comprovadamente for inviável.
Melhorias tecnológicas
A revisão contratual terá também de incentivar a adoção de bilhetagem eletrônica e outras melhorias tecnológicas; prever níveis mínimos de qualidade cujo desrespeito leve à perda do contrato; uso de sistema que permita a auditoria de bilhetagem e o monitoramento dos veículos por GPS; auditoria independente dos balanços a partir de 2021; e mecanismos que garantam a promoção da transparência, principalmente quanto à tarifa de remuneração da prestação do serviço.
Durante o período do estado de calamidade pública em razão da Covid-19, o operador do transporte coletivo deverá manter a quantidade de empregados igual ou maior que a existente em 31 de julho último.
Se a revisão de contrato não for feita até 31 de dezembro de 2021, o ente federado estará sujeito à suspensão das transferências voluntárias de recursos pela União para ações nas áreas de transportes ou mobilidade urbana; e poderá ser impedido de obter aval da União para empréstimos relacionados ao setor ou mesmo empréstimos e financiamentos em bancos federais.
O contrato surgido da revisão contratual poderá ter vigência máxima de 15 anos, sem prorrogação. A exceção é para trens e metrôs, cujos contratos poderão ser prorrogados se a vigência dos atuais vencer em até dez anos contados da publicação da futura lei e se o novo prazo durar até mais 30 anos, contados também da publicação da lei.
Ordem de prioridade
Após estados e municípios receberem os recursos, eles somente poderão ser transferidos às empresas de transporte em etapas, conforme o cumprimento dos requisitos do termo de adesão.
Nesse sentido, o dinheiro deve seguir uma ordem de uso prioritário a fim de adequar o serviço aos parâmetros sanitários exigidos:
- compra de bens para a prestação do serviço, desde que reversíveis (voltam ao governo após o fim do contrato);
- compra antecipada de bilhetes para programas sociais do governo federal existentes ou que venham a ser criados durante o estado de calamidade pública;
- contratação de serviços de transporte para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida em veículos adaptados.
Caso os bens comprados sejam veículos, estes deverão ser novos ou com cinco anos de uso no máximo. Finalidades diferentes serão admitidas se o ente federado justificar como necessárias para reequilibrar os contratos.
Pelo texto de Hildo Rocha, as empresas beneficiadas com a ajuda federal não poderão pagar juros sobre capital próprio e distribuir lucros aos acionistas até 31 de dezembro de 2021.
Critérios de rateio
Do total de R$ 4 bilhões, 30% (R$ 1,2 bilhão) ficarão com os estados e o Distrito Federal e 70% (R$ 2,8 bilhões) com os municípios.
O rateio entre estados e DF será proporcional à população residente em regiões metropolitanas, regiões integradas de desenvolvimento ou aglomerações urbanas que incluam ao menos um município com mais de 200 mil habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os municípios aptos, a distribuição será conforme tabela anexa ao texto aprovado.
O prazo para os entes federados assinarem o termo de adesão será até 10 de dezembro de 2020. Entretanto, a parcela reservada a estados ou municípios que não tenham aderido será redistribuída entre os que aderiram, mantida a proporcionalidade prevista.
Assim, caso algum estado não aceitar o termo de adesão, os recursos que caberiam a ele serão redistribuídos aos demais. Se um município não aderir, os recursos ficarão com o respectivo estado.
Se a região metropolitana possuir uma entidade de natureza multifederativa responsável pela gestão do sistema de transporte público, ela poderá ficar com o montante total dos municípios envolvidos que aceitarem a centralização. Essas entidades são consórcios de municípios destinados a gerenciar o sistema que envolve cidades com áreas urbanas muito próximas.
Reservas monetárias
O substitutivo de Rocha determina o uso de recursos do extinto Fundo das Reservas Monetárias para financiar as revisões contratuais. Esse fundo foi extinto pela Medida Provisória 909/19, convertida na Lei 14.007/20, e estava inativo com saldo de R$ 9 bilhões.
No texto aprovado pelo Congresso para a MP 909, o dinheiro seria transferido a estados e municípios para ajudar no combate à pandemia, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou esse trecho. A MP original destinava o dinheiro ao pagamento da dívida pública.
Sem aumento
O texto proíbe, aos entes federados que receberem recursos por meio da lei, aumentarem as tarifas do serviço de transporte coletivo público de passageiros, urbano ou semiurbano durante o estado de calamidade pública em razão da Covid-19.
Estados, Distrito Federal e municípios deverão prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU) dos recursos recebidos. O governo federal deverá divulgar, em portal de transparência específico, os valores remetidos a cada ente que aderir ao programa.
Isenção de taxas
Outro benefício criado pelo substitutivo é a isenção da taxa de fiscalização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) devida por empresas de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros. Essa taxa é de R$ 1,8 mil ao ano por ônibus registrado na ANTT.
A isenção será proporcional à quantidade de meses de vigência do estado de calamidade (1/12 a menos para cada mês).
Embora vise à atual pandemia, o texto incluiu outras situações em que a redução da taxa será aplicada, como grandes catástrofes, epidemias e calamidades e situações de emergência “que tragam risco à saúde coletiva e à segurança pública, com impacto relevante na rotina econômica”.
Debates em Plenário
O texto recebeu elogios e críticas durante a votação em Plenário. “É um tema que atinge milhões de brasileiros, pois se trata de um serviço essencial, e a pandemia está desnudando um modelo de gestão que já não se sustenta”, disse o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR).
“O financiamento do transporte público exige solução estrutural, não de emergência e a fundo perdido”, criticou a deputada Luiza Erundina (Psol-SP).