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“Infelizmente foi um fato que aconteceu. Estava
  muito apertado no trem e eu não aguentei”. Esta foi a frase proferida por
  Adilton Aquino dos Santos, 24 anos, acusado de abusar sexualmente de uma
  mulher de 30 anos dentro de um vagão da Companhia Paulista de Trens
  Metropolitanos (CPTM), em São Paulo. Na tarde de segunda, na estação da Luz,
  região central da capital paulista, o homem tirou a calça e chegou a ejacular
  nas nádegas da vítima. Passageiros que presenciaram o crime ficaram
  revoltados e espancaram o suspeito. Este não é um caso isolado. Até agora, em
  2014, 26 homens foram pegos em flagrante cometendo atos libidinosos e
  desrespeitosos contra mulheres. 
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| Assédio sexual  fere os direitos da mulher |  
 
 
   
  Acontece que não somente estes abusos assombram a vida das mulheres como uma
  outra atrocidade à liberdade e à dignidade delas foi revelada em uma pesquisa
  realizada dia 27 de março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
  (Ipea). Num primeiro momento foi divulgado que 58,5% dos entrevistados
  concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as
  mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". O estudo
  também demonstra que 65,1% dos entrevistados concordam inteiramente com a
  frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser
  atacadas". Um detalhe importante, do total de entrevistados, 66,5% são
  mulheres. 
  
 Em uma
  nota divulgada no dia 4 de abril, o instituto pede desculpas e informa que
  houve um "erro relevante", motivado por uma troca de gráficos que
  inverteu resultados de duas das questões. Na questão "Mulher que é
  agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar" os dados foram
  invertidos com a da questão "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo
  merecem ser atacadas". Nossa que bom, que alívio! Não são 65%, mas 26%.
  Não é uma diferença de 39% que muda alguma coisa. A violência e o desrespeito
  contra a dignidade das mulheres continuam firmes e fortes. 
   
  Os entrevistados foram questionados com base em afirmações pré-formuladas
  pelo instituto. Ao todo, foram ouvidos 3.810 pessoas entre maio e junho do
  ano passado em 212 cidades. Os pesquisados apontavam se concordavam ou
  discordavam, total ou parcialmente, com os questionamentos, ou se tinham uma
  posição de neutralidade em relação ao assunto. 
  
                                                                       Resposta 
Outro dado bastante relevante da pesquisa é que
  56,9% discordam totalmente da afirmação "A questão da violência contra
  as mulheres recebe mais importância do que merece", demonstrando que o
  assunto está longe de se esgotar, necessitando cada vez mais de uma discussão
  profunda sobre esse tipo de violência. É uma resposta aos que criticam o
  movimento feminista, que não se limita àquele iniciado na década de 80, mas
  ao que se perpetuando desde então, contra uma opressão de cinco mil anos que
  dificulta as transformações de mentalidades e a conscientização. 
  
A pesquisa revela aquilo que, notoriamente, já se
  constata por aí, nas residências, no trabalho, nas ruas, por todo lugar: a
  crueldade do preconceito contra as mulheres. O machismo que se estabelece
  como um conceito aceito pela sociedade, em que as pessoas, consciente e
  inconscientemente, agem com naturalidade, conduzindo suas vidas às margens da
  misoginia. Os dados da pesquisa são incontestáveis e revelam que não somente
  é de opressão que se faz a violência contra as mulheres, mas também as
  considerando culpadas pelos atos que sofrem.  
  
Como se as mulheres tivessem culpa de serem
  mulheres. Assim como na época da Santa Inquisição, em que elas eram
  torturadas e punidas com morte na fogueira, entre outras barbáries. Por serem
  sedutoras e sensuais eram tidas como amantes do diabo. Ou quando eram
  sumariamente estupradas, por ser esta uma prática comum entre os
  conquistadores de terras. Em comemoração ao êxito nas batalhas, tinham como
  prêmio o consentimento de violentar quantas mulheres quisessem. 
  
Os resultados do Ipea revelam mais que
  distorções, mas o verdadeiro retrocesso, ou melhor, a permanência das
  mentalidades de pessoas que parecem ter criado raízes em épocas de trevas, em
  que o ser humano era relegado a um ser desprezível. 
  
                                                                    Corpo 
Tanto a pesquisa como os casos de abuso sexual
  nos transportes públicos são fruto de uma imposição do sistema patriarcal e
  que criou a hegemonia masculina diante da feminina. Cultura fatídica que sustenta
  o “machão”, que se apodera do corpo de sua mulher e faz dele o que bem
  entender. Estas concepções são construções sociais em que se menosprezam as
  mulheres, como se fossem seres inferiores. Transformaram o corpo que deveria
  ser privado num corpo público, pronto para ser corrompido.  
  
O feminismo, para aqueles que ainda acham isso
  uma grande balela, se constrói diferente do machismo, que foi impositivo e
  arbitrário. Se constrói como defesa para esta intolerância, contra atos de
  selvageria em que mulheres são mortas por romperem relacionamentos amorosos,
  ou que são espancadas por não satisfazerem seus maridos, muitas vezes, pelo
  simples fato de trabalharem fora de casa. As banalidades destes atos de
  violência se comparam aos argumentos e justificativas de quem as comete. 
  
Quase que de imediato surgiu uma reação nas redes
  sociais, se opondo aos resultados da pesquisa. A campanha
  #eunãomereçoserestuprada foi idealizada pela jornalista Nana Queiroz, 28
  anos, e em pouco tempo tornou-se uma coqueluche na internet. Foi criada para
  protestar contra a culpabilização da mulher em atos de violência sexual e
  recebeu o apoio da presidenta Dilma Rousseff, que declarou em seu twitter
  oficial “Nenhuma mulher merece ser vítima de violência, seja física ou sob a
  forma de ameaça”. 
  
Outra campanha que também vem fazendo sucesso é a
  “Chega de fiu fiu”, contra o assédio sexual. Muitas mulheres podem até
  declarar que se sentem lisonjeadas ao passarem na frente da construção e
  escutarem os “galanteios” dos homens, desde um “bom dia” ou “vai ser linda
  assim lá em casa”. Estes podem parecer singelos, mas seja qual for o
  comentário, é invasivo e agride um princípio básico. Não é porque a mulher
  está em lugar público que ela também o é. O homem parece identificar e
  catalogar mulheres. Agindo desta forma é mal educado e intimidador. Ele emite
  sua vontade e coloca através do “fiu fiu” sua necessidade acima das vontades
  e do bem estar dela. 
  
                                                                       Patriarcal 
É difícil mulheres se sentirem a vontade com este
  tipo de abordagem, uma vez que constrange e intimida. Galanteios frutos do
  mesmo sistema patriarcal que doutrinou mentalidades. Já mulheres são
  categoricamente obrigadas a seguir regras específicas de como se portar,
  obediência, submissão e se sujeitar ao seu opressor. A “cultura do machão”
  criou conceitos e estereótipos do que são e de como devem ser os homens. Não
  podem dispensar mulher nenhuma e devem ser sempre viris.  
  
Existe uma constante preocupação com o pênis e a
  ereção. Falhar é inadmissível. Devem ser soberanos e comandar, ser fortes e
  não demonstrar fraquezas. Para tal, devem se impor, nem que para isso
  utilizem a violência. Enxerga a mulher como sua propriedade. Diante de todas
  estas exigências e cobranças da sociedade, os homens hoje dão sinais
  evidentes de cansaço e insatisfação em manter este papel masculino. 
  
Fato é que estes abusos, estupros praticados e
  opiniões deturpadas sobre as mulheres são sinais de que, se por um ladoelas vivem com medo, porque estão nessa condição há
  séculos, os homens descobriram seus medos também, principalmente no que diz
  respeito à mulher autônoma, que possui opinião, é livre de estereótipos, tem
  iniciativa, sabe comandar e, no fundo, sempre possuiu sua importância na
  sociedade. Reflexo disso: homens que para manter sua posição de autoridade
  são violentos seja no fato de tentar ou consumar o abuso sexual, ou em um
  simples “fiu fiu”, que não é tão inocente assim. 
  
* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da
  Faculdade Santa Marcelina – FASM. 
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