Já representantes do agronegócio afirmam, durante audiência na Comissão de Meio Ambiente, que o Poder Legislativo deve ter soberania sobre temas ambientais
Luís Alberto Alves/Hourpress/Agência Câmara
Vinícius Loures/Câmara dos Deputados
A Comissão de Meio Ambiente convidou especialistas para debater o princípio jurídico da "vedação do retrocesso"
Qual o risco de uma medida representar uma ameaça a um direito social? A Comissão de Meio Ambiente discutiu com especialistas o princípio jurídico da “vedação ao retrocesso”, ou seja, que impede que um direito essencial seja ameaçado, que preserva a essência de um direito contra ameaças legislativas, no caso, ameaças ao direito ambiental. Estiveram presentes representantes do Ministério Público, agricultores e acadêmicos.
Segundo a subprocuradora da Procuradoria Geral da República, Sandra Verônica Cureau, o Brasil vive um momento delicado em direito ambiental. Ela acha que qualquer medida restritiva ao direito fundamental e à proteção ao meio ambiente só pode se justificar se protege outro direito fundamental. E nunca por ato do Executivo, mas aprovada no Poder Legislativo.
Mesma opinião tem o consultor Jurídico do Instituto Socioambiental, Maurício Guetta, para quem o princípio da vedação ao retrocesso não impede atividades legislativas, mas deve evitar a extinção de núcleos ambientais. Ele citou o desmatamento na Amazônia, que aumentou nos últimos anos, após a aprovação do Código Florestal (Lei 12.651/12). Entre agosto de 2017 e julho do ano passado o desmatamento da Amazônia aumentou 13,7% em relação aos 12 meses anteriores.
Queda no desmatamento
Mais de três quartos das unidades de conservação sofreram com desmatamento e sete entre dez terras indígenas também. Um cenário diferente do que ocorreu até antes do Código Florestal. Guetta citou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, criado em 2004 para reduzir o desmatamento e criar as condições para se estabelecer um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal.
“Com a aplicação da política, chegamos com quedas contínuas no desmatamento até 2012, com pouco mais de 4 mil quilômetros quadrados, ou seja, o desmatamento caiu de 27 mil quilômetros quadrados para 4 mil quilômetros quadrado. E, a partir de 2012, há uma inflexão com desinvestimento continuo e hoje praticamente a eliminação dessa política pública”, disse.
O presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Ambrapa), Luis Fernando Cabral Barreto Junior, protestou contra o risco de extinção da reserva florestal legal das propriedades rurais, que não podem ser desmatadas e mantém a conectividade entre espaços do bioma brasileiro. No Senado, tramita um projeto que acaba com a reserva legal.
Legitimidade do voto
Já o consultor ambiental do Sistema Organização das Cooperativas do Brasil, Leonardo Papp, afirma que o Legislativo tem soberania sobre temas ambientais.
“Os princípios não devem se sobrepor à decisão que é politicamente adotada de forma legítima por aqueles que estão no Congresso Nacional e, portanto, têm legitimidade do voto popular para tomar as decisões acerca da legislação”, disse.
Já o consultor da Área de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Rodrigo Justos de Brito, afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) não reconhece esse princípio.
“A vedação ao retrocesso não foi reconhecida pelo STF, tanto que, dos 58 pontos que foram questionados com base nessa vedação, apenas dois tiveram interpretação conforme e não houve declaração de inconstitucionalidade de nenhum ponto com base nesse princípio. Então, na verdade, há o Código Florestal e as atividades. Foi rechaçado 100% a aplicação desse princípio ao código, dizendo que o Congresso tem liberdade de produzir legislação”, afirmou.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), discorda.
“O Supremo apenas não tem falado sobre ele nas últimas decisões. Agora, os próprios acórdãos relativos às ações de inconstitucionalidade do Código Florestal até hoje não foram publicados. E o Código Florestal é de 2012. Eu acredito que nas próximas decisões do Supremo esse princípio será lembrado”, disse o deputado.
A Advocacia Geral da União (AGU) foi convidada para a audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, mas não enviou representante.
Amianto
O defensor público de São Paulo, Tiago Fensterseifer, afirmou que há necessidade de estabelecer um marco normativo que impeça o retrocesso. Citou o caso do amianto, que teve produção e venda proibidas no Brasil em 2017, mas ainda é alvo de questionamento. No Senado, uma comissão quer a reativação de uma mina em Goiás. O defensor afirma que o atual governo promove o enfraquecimento de órgãos ambientais, o que violaria o princípio da vedação ao retrocesso.
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