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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Geral: Prioridade da população de rua não é cuidar da saúde, diz pneumologista


  • São Paulo
Fernanda Cruz – Repórter da Agência Brasil
São Paulo - Alessandro Ferreira, Neguinho Tiradentes e Romaria receberam roupas e cobertores para ajudar a suportarem o frio na Rua Ipiranga, em frente à Praça da República (Rovena Rosa/Agência Brasil)
São Paulo - Moradores de rua recebem roupas e cobertores para ajudar a suportar o frio na Avenida Ipiranga, em frente à Praça da República Rovena Rosa/Agência Brasil
O frio intenso na capital paulista matou ao menos seis moradores de rua este mês. A previsão de um inverno mais rigoroso que o dos últimos três anos é um alerta para organizações que trabalham com essa população.

Coordenador do Grupo de Infecções Pulmonares da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o pneumologista André Nathan Costa, do Instituto do Coração (Incor) diz que uma série de fatores contribui para que uma pessoa morra devido ao frio e que não há uma temperatura considerada letal.

“Não dá para dizer que 5 graus [positivos] ou -5 graus matam, é uma sucessão de coisas. Tem paciente que entra em hipotermia só de ficar molhado ao relento. Tem paciente que fica em zero grau durante dez horas e não acontece nada.”

O especialista chefiou, por dois anos, um grupo de assistência médica a moradores de rua em um albergue na região central de São Paulo e afirma que, em geral, essa população é composta por homens jovens. Segundo ele, cuidar da saúde dessas pessoas, por meio de acompanhamento e encaminhamento para exames, é uma tarefa difícil.

“A prioridade desses indivíduos é buscar comida, roupa e algum dinheiro para passar o dia e não cuidar da saúde. Então, convencê-los a tomar remédio para tuberculose não dá. Tomar uma injeção de benzetacil para sífilis, mesmo em dose única, é um parto. Imagina falar que precisa parar de fumar, que precisa cuidar da pressão. É muito difícil. A adesão [a tratamento] é baixíssima.”

O médico explica que as doenças infecto-contagiosas, como sífilis, tuberculose e HIV, são as mais prevalentes entre os moradores de rua.

“O frio faz com que as pessoas fiquem confinadas em lugares fechados, então as doenças transmissíveis, principalmente as respiratórias, proliferam mais. Não dá para dizer que essas doenças são agravadas pelo frio. Mas, no frio, acabam várias pessoas num ambiente pequeno, fechado, que é uma coisa que eles fazem nos albergues. Tem um paciente com tuberculose e acaba passando para todo mundo, porque não dá para ter controle“, destaca o médico.

Segundo Costa, algumas estratégias usadas comumente para afastar o frio, como a ingestão de bebidas alcoólicas, apenas dão uma falsa sensação de aquecimento. “O álcool tira o frio, você ouve as pessoas dizendo 'vou tomar um conhaque para esquentar'. Mas o álcool, em altas doses, gera hipotermia por si só. Você pode até estar em casa, embaixo do cobertor. Então, aquele coma alcoólico faz com que o  seu sistema nervoso central, que coordena o centro que mantém a temperatura adequada do corpo, se altera e o corpo entra em hipotermia pelo próprio efeito do álcool.”

Cobertores, bebidas quentes e uma alimentação reforçada são os itens necessários para a manutenção da temperatura corporal. “Os moradores de rua são desnutridos crônicos, mas eles precisam manter uma reserva nutricional para gerar calor. Se essa sua reserva acaba, você entra em hipotermia com uma facilidade maior.”

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