Postagem em destaque

Crônica: De bem-sucedido ao amargo do ostracismo

    Hourpress/Arquivo Morava num apartamento de cobertura na Região dos Jardins, com direito a três vagas na garagem, onde tinha estacionad...

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Artigo: Agradeço a Deus por tudo!

 

Veio o jornalismo, profissão que aprendi a amar, apesar das agruras


Luís Alberto Alves/Hourpress

Hourpress

Na próxima sexta-feira  (30 de outubro) fico SEXagenário. Entro para o time dos 60 anos. Nunca imaginei que chegasse tão longe. Por uma razão bem simples: nasci em extrema miséria na pequena Santa Mercedes, divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul. Meus pais, lavradores, moravam num pequenino barraco coberto de sapé, onde mal cabia uma cama e armário.

As roupas de bebê foram doadas pelos vizinhos próximos do sítio onde os velhos trabalhavam. Por causa da imensa falta de dinheiro, diversas pessoas falaram para minha mãe me entregar a elas, para que eu pudesse sobreviver, do contrário não passaria dos 2 anos de idade.

Árvore

Algo terrível. Menos de uma semana após o parto, minha mãe foi para a roça ajudar o meu pai. Junto, ela me levou dentro de uma bacia (não tive berço) e a colocou embaixo do guarda-chuva para não tomar sol. O vento forte derrubou parte dos galhos de uma árvore que caiu ao lado da bacia. Escapei da morte.

Em 1965 viemos para São Paulo e a luta prosseguiu. Minha mãe trabalhando de faxineira e meu pai vendendo sorvete ou verduras nas ruas da Vila Nova Cachoeirinha e Brasilândia. Ficava sozinho em casa. Para passar o tempo, comecei a ler as revistas e livros que minha mãe trazia do emprego. Batalha em cima de batalha. Entrei alfabetizado na Escola Municipal Parque Pedroso, hoje Escola Municipal de Ensino Fundamental Theo Dutra.

CMTC

Aos 13 anos comecei a trabalhar em uma gráfica como office boy e faxineiro. Lutei bastante. Peguei a época dos famosos ônibus na cor azul e creme da então CMTC (Companhia Municipal de Transporte Coletivo), extinta na gestão do prefeito Jânio Quadros, na década de 1980.

Em casa não conheci a palavra luxo. Calçava e vestia, o que os meus pais tinham condição de comprar. Desde a infância aprendi a valorizar tudo que chega às minhas mãos. O dinheiro que recebia aonde trabalhava, sempre entregava aos meus pais. Tudo para colaborar com as despesas da casa.

Palmeiras

Morei 46 anos ao lado de uma favela, que vi construir os primeiros barracos. Ali tive os meus melhores amigos. Na década de 70 e 80, época dos famosos bailes da Chic Show no Palmeiras e dos Carlos no Club Homs, da avenida Paulista, além das festas no Parque Peruche e Casa Verde.

Nunca me envolvi com droga ou criminalidade. O lazer era jogar futebol no campinho de terra batida, ao lado de um córrego, depois passamos para o futebol de salão. Tudo com muita amizade. Às vezes enchia caixotes de plástico com discos de vinil para fazer baile. Não importava o lugar.

Plebeu

Foi quando comecei a gostar de música. De boa qualidade. Passei colecionar discos raros, como os primeiros discos gravados por Tim Maia (em parceria com Elis Regina) e Jorge Ben, no LP aonde tem o famoso hit “A princesa e o plebeu”. Além de shows ao vivo, quando conseguia gravar canções com outra roupagem.

Lembro de um show no Palmeiras, na década de 80, quando Tim Maia incluiu os versos “tomo guaraná/suco de caju/goiabada para a sobremesa” na canção “Do Leme ao Pontal”. Tudo registrado em fita K cassete.

Cor

Veio o jornalismo, profissão que aprendi a amar, apesar das agruras. Como mestre, tive o saudoso Freitas Nobre como professor. Em 33 anos de estrada conheci muita gente bacana. Seria indelicado citar nomes, pois poderia esquecer de alguns. Mas todos contribuíram comigo, principalmente na época das vacas magras e do sofrimento do desemprego. Sem dinheiro para nada!

Nunca me esqueci de trabalhos que perdi por causa da minha cor. Das perseguições que sofri. De não ser medido pela capacidade, mas pela cor negra. De servir de escada e depois ficar no esquecimento. De abrir portas e quando precisei que alguém as abrisse, não ter retorno.

Alegria

Felizmente cheguei aos 60 anos. No dia 30 de outubro assopro as velinhas do meu aniversário com alegria. Só eu sei o que representa para mim essa data. Das necessidades enfrentadas na infância e adolescência. De não realizar vários sonhos acalentados durante anos.

Essa foto que coloco nesta página é dos meus 12 anos, em 1972. Só a partir dessa idade que tive o privilégio de comemorar o meu aniversário. Antes era impossível. Digo que daqui para frente, o que vier é lucro. Estou igual ao piloto de automobilismo que pretendia chegar entre os primeiros colocados e acabou vencendo o GP. Agradeço a Deus por tudo!

Luís Alberto Alves é jornalista há 33 anos. Trabalhou nos principais jornais de SP. Neste período foi repórter de Economia, Política, Meio Ambiente, Sindical, Variedades, Segurança Pública, Internacional. 

Ocupou diversos cargos de chefia. Escreveu reportagens para revistas técnicas de Construção Civil, Segurança do Trabalho, Meio Ambiente, Noivas. Foi assessor de imprensa sindical. Atualmente escreve para sete blogues de sua autoria. Juntos, eles têm mais de 1,2 milhão de acessos. 

É grande estudioso e especialista em Black Music, além de ter estudado Música Clássica durante 2 anos. Criou este blogue "Hourpress", atualmente com quase meio milhão de acessos. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário