MV Bill cresceu na periferia do Rio de Janeiro |
Luís Alberto Alves
"Sou uma péssima
referência de escolaridade. Estudei até a quinta série. Minha mãe ficava mais
feliz quando eu chegava com o dinheiro do trabalho do que com meu
boletim." Assim o rapper MV Bill explicou como foi sua relação com a
escola quando criança e explicou sua emoção ao ver seu Salão de Ideias repleto
de crianças e adolescentes de escolas públicas de Ribeirão e região - cerca de
1.400 pessoas acompanharam o Salão, sendo 800 no estúdio em que MV Bill estava
falando e mais 600 em outro estúdio com telão. Dentro da programação da
14ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão, o rapper falou da sua trajetória no
cenário do rap, da situação dos negros no Brasil e de como a educação
transforma os seres humanos.
MV Bill cresceu na Cidade
de Deus no Rio de Janeiro (CDD) em uma família de pais separados. Por conta
destas dificuldades e pelo bullying que sofria dos colegas, teve de abandonar
os estudos e trabalhar com 11 anos de idade. Ele diz que teve todas as
oportunidades para seguir o caminho da criminalidade, mas encontrou no RAP sua
salvação.
Segundo Bill, foi através
do RAP que ele percebeu que podia ser ouvido e se tornar uma exceção à regra na
comunidade que ele vivia. Porém, para isso ele precisou ler. "As pessoas
olham os MCs rimando e acham que isso é fácil, que nós temos aquilo de cor na
cabeça. Mas isso não é verdade, para rimar é preciso ler." O artista disse
que um livro que marcou sua vida foi "O
Negro Revoltado",de Abdias do Nascimento, que, por meio de um
ensaio, narra a condição do negro no Brasil.
O início da carreira
musical para MV Bill não foi fácil. Ele conta que pediu para ser demitido de um
emprego de estoquista. Sua mãe ficou muito brava por ele ter deixado um
trabalho com carteira assinada para produzir um show de RAP do grupo paulistano
Racionais MC's no Rio de Janeiro. Ele teve essa ideia para poder abrir os shows
da banda e mostrar seu trabalho. Depois disso, Mano Brown vocalista do grupo,
chamou o rapper para fazer abertura de diversos shows do grupo, que havia
acabado de lançar o disco clássico "Sobrevivendo no inferno". Ele
relata que, após o encerramento das apresentações, vendia suas fitas e com o
dinheiro desta venda conseguiu capital para gravar seu primeiro disco,
"Traficando Informações".
Frustração
Mas o rapper admite que
sua trajetória musical e pessoal mudou após o lançamento do documentário
"Falcão, Meninos do tráfico", exibido em 2006 pelo Fantástico. Ele
relata que a motivação para fazer o documentário foi o próprio RAP, pois ele
queria ir além das letras. Com o documentário, Bill acha que nenhuma autoridade
pode dizer que não sabe o que acontece nas favelas do País. Ele revela uma
frustração porque, mesmo após participar de fóruns, debates e encontro
com políticos, pouca coisa mudou e muitos jovens ainda se perdem no mundo do
crime por falta de oportunidade.
No dia em que a Feira
discutiu a condição do negro no Brasil, ele falou do fato de o Brasil ser a
maior nação negra fora da África e de como o negro ainda precisa lutar por
espaço para ter seus direitos respeitados. Para MV Bill, as cotas foram
um avanço para a nação, mas ele queria também ver filhos de políticos
brasileiros frequentado escolas públicas.
Durante o debate pós
palestra, MV Bill foi questionado pelo público porque chamava os negros de
pretos. "Eu gosto de falar preto, porque acho mais humano, é como meus
amigos me chamam.". Para ele, implicar com o modo de falar é uma
hipocrisia, comparada com o racismo diário a que os negros são
submetidos.
No encerramento, o rapper
fez um apelo para as autoridades consultarem os jovens, pois a juventude tem o
poder de mudar o País. O rapper ainda elogiou o fato de a Feira do Livro de
Ribeirão querer se aproximar do público jovem e de ter escolhido a
África, país de Mandela, como país homenageado. Para MV Bill, "Nelson
Mandela deu uma demonstração de humanidade para os seres humanos: ele ficou
preso por 28 anos injustamente e, quando se tornou presidente, ao invés de
punir, chamou os brancos para juntos com os negros reconstruir o país. Em um
mundo em que a vingança é sempre uma alternativa ele preferiu a
paz".
Feira
Nacional do Livro
A Feira Nacional do Livro
de Ribeirão Preto é realizada pela Fundação Feira do Livro, entidade sem fins
lucrativos presidida pelo empresário e cineasta Edgard Castro, com apoio total
da Prefeitura de Ribeirão Preto. De 16 a 25 de maio, o evento promove encontro
com escritores, conferências, apresentações de música, teatro e dança, oficinas
e várias outras atividades culturais, todas gratuitas.
A Feira ocupa três espaços principais. A programação adulta e os
estandes para venda de livros se concentram no complexo da Praça XV, que inclui
o Theatro Pedro II, a Esplanada, o Palace e as Bibliotecas Altino Arantes e
Padre Euclides. As atividades para os jovens acontecem, principalmente, nos
Estúdios Kaiser de Cinema. Já a programação para as crianças é desenvolvida no
Parque Maurilio Biagi, que também tem estandes de livros. Neste ano, a Feira
vai se estender também para o Teatro Municipal e o Teatro de Arena, que ficam
no Morro do São Bento, além da sede da OAB-Ribeirão.
A lista de homenageados desta edição traz o poeta Mário
Quintana, a escritora Ana Maria Machado, o autor da Educação Darcy Ribeiro e a
autora local Ely Vietez Lisboa. O país homenageado é a África do Sul e o
patrono, o empresário José Carlos Ferreira. Com exceção do patrono, os
homenageados foram escolhidos em votação pela internet.
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