Má administração, segundo estudo, provoca desperdícios no gasto público municipal da saúde |
Luís Alberto
Caju
Má administração, não
pagamento de tributos pelo município, fraca fiscalização do Conselho Municipal
de Saúde e processo licitatório irregular são alguns dos principais fatores que
geram ineficiência (desperdício passivo) relacionada à aplicação de recursos da
saúde repassados pela União aos municípios. A conclusão é do estudo “Fatores
Associados ao Desperdício de Recursos da Saúde Repassados pela União aos
Municípios Auditados pela Controladoria Geral da União”, publicado na última
edição da Revista Contabilidade & Finanças, do Departamento de
Contabilidade e Atuária da FEAUSP (Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP), tendo como autores Lidiane Nazaré da Silva Dias, José
Matias-Pereira, Manoel Raimundo Santana Farias e Vanessa Mayara Souza Pamplona.
Os reflexos da ineficiência da gestão dos
recursos públicos na área da saúde são bastante conhecidos. Obras que perduram
por meses a mais do que o planejado, remédios comprados e não distribuídos
antes do vencimento, ausência de efetiva utilização dos equipamentos recebidos
etc. Esse tipo de desperdício não recebe tanta atenção da mídia, ou mesmo em
trabalhos acadêmicos, como ocorre com a corrupção (desperdício ativo). Mas
estudos realizados no Exterior indicam que os gastos desnecessários gerados
pela má gestão pública podem representar até quatro vezes mais que os recursos
relacionados ao desperdício ativo. Os autores da pesquisa citam, como exemplo,
um estudo realizado por Bandiera, Prat, e Valletti (2009), evidenciando que, na
Itália, esses gastos representam 83% do total de desperdício de dinheiro
público na aquisição de bens.
A principal contribuição da pesquisa é chamar
a atenção da academia, do governo e da sociedade para a existência de
desperdício passivo, ou má gestão como é mais conhecido, que afeta a qualidade
dos serviços prestados à população e provoca prejuízo aos cofres públicos.
“Estes achados contribuem para a melhoria na gestão dos recursos da saúde à
medida que chamam a atenção para a existência do desperdício passivo
(ineficiência) e as principais formas com que ele acontece, identificando-se a
necessidade de se aprofundar as discussões sobre o tema”, analisa um dos
pesquisadores, a professora Lidiane Nazaré da Silva Dias, da Faculdade de
Ciências Contábeis da Universidade Federal do Pará.
O trabalho procurou identificar os fatores
tanto de desperdício passivo quanto de desperdício ativo que melhor explicassem
as irregularidades na gestão dos recursos públicos municipais repassados pela
União para a área da saúde. O primeiro ocorre quando há um gasto desnecessário
para a entidade pública, mas o servidor ou gestor não obtém vantagem financeira
para si. Já o segundo é a corrupção propriamente dita, em que o indivíduo obtém
benefício privado. Lidiane Dias ressalta que, em alguns casos, o desperdício
passivo existe para tentar camuflar o desperdício ativo.
Para a identificação do desperdício ativo e
passivo nos gastos com saúde, os autores da pesquisa analisaram os relatórios
de auditoria da Controladoria Geral da União (CGU), do Programa de Fiscalização
por Sorteios Públicos, elaborados no ano de 2010, referentes a 102 municípios
brasileiros fiscalizados. Os autores ressaltam que, apesar dos relatórios da
CGU representarem uma fonte de dados técnica (não científica), eles têm sido
utilizados em trabalhos científicos para a construção de base de dados de
pesquisas que versam sobre corrupção e/ou ineficiência.
Fatores associados à
ineficiência
O estudo utilizou a técnica multivariada de
análise fatorial, que examina relações de dependência e/ou interdependência
entre as variáveis. Para identificar o desperdício ativo foram observadas três
variáveis e para o passivo, 17 variáveis, identificadas a priori no trabalho de
Ferraz e Finan (2007). Os dados relativos às variáveis foram submetidos a uma
análise fatorial para agrupá-los em fatores associados estatisticamente com as
irregularidades na gestão dos recursos destinados à saúde pública dos
municípios auditados. Os resultados não mostraram nível adequado de
significância estatística para o desperdício ativo, ou seja, com base nos dados
analisados não foi possível apresentar dentro do rigor científico um fator que
melhor o defina. Quanto ao desperdício passivo, foram encontrados três fatores
que mais se associaram com as irregularidades.
O Fator 1 foi denominado “Inadequabilidade
Administrativa”, o qual agrupou as seguintes variáveis: não pagamento de
tributos pelo município, não ocorrência de contrapartida do município e má
administração. O Fator 2, denominado “Fraca Fiscalização”, agrupou as
variáveis: inexistência ou fraca atuação do conselho municipal de saúde e
licitação fracionamento (quando o município tem a necessidade de realizar uma
compra grande, mas opta, irregularmente, por fazer várias compras pequenas –
limitadas a R$ 8 mil, valor que dispensa o processo licitatório – o que pode
ocasionar o pagamento de um valor maior pelo produto ou mesmo a contratação
direcionada de alguma empresa). Já o Fator 3 chamado de “Baixo nível de
Compliance” reuniu as variáveis: processo licitatório irregular e
irregularidade não relacionada ao Prefeito.
As variáveis agrupadas no Fator 1 tipificam a
negligência na gestão da saúde, pois a verba estava disponível para a
utilização e, mesmo assim, a prefeitura deixou de pagar o tributo, de aplicar a
contrapartida ou de atender aos fatores necessários à boa gestão. No caso da
não contrapartida, a Profa. Lidiane Dias exemplifica: “O município fez um
convênio com a União (Ministério da Saúde) para a construção de um hospital e
ficou responsável por arcar com 10% do total da obra e não o fez. Devido a
isto, o município poderá sofrer uma série de sanções, como ficar impedido de
celebrar novos convênios”.
As variáveis do Fator 2 são justificadas pelo
fato de que, com a inexistência ou fraca atuação do Conselho Municipal de
Saúde, as chances de irregularidades relacionadas à gestão ocorrerem passam a serem
maiores, uma vez que o Conselho tem como responsabilidade participar do
planejamento dos gastos e fiscalizar a sua execução. O Fator 3, por sua vez,
relaciona-se com o não atendimento de leis e regulamentos que respaldam o
funcionamento e os processos na administração pública.
A governança corporativa aplicada à área
pública foi apontada como uma possível forma de reduzir o desperdício passivo.
Entre as ações sugeridas pelo estudo, estão o aumento das fiscalizações; uma
maior transparência das informações relacionadas aos programas de governo
(funcionamento e execução) de forma a tornar a informação efetivamente
acessível e compreensível ao cidadão; a implantação de programas de capacitação
e motivação do servidor e gestor público, fazendo com que internalizem a
importância de sua adequada atuação profissional, buscando paralelamente criar
uma cultura de denúncia de irregularidades praticadas no serviço público; a
realização de uma análise para verificar se o serviço deve ser mesmo prestado
pelo Estado ou terceirizado; e a implantação de novos mecanismos de governança
e fortalecimento dos já existentes, como a auditoria da CGU.
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