O Programa Mais Médicos foi uma das principais estocadas contra nossa classe
* Maria Rita de Souza Mesquita,
Há mais de uma década, os médicos do Brasil tornaram-se alvo preferencial de maus gestores. A explicação é básica: a Medicina atrai cada vez mais os olhares de grupos que veem a Saúde apenas como um grande negócio. Assim, movidos pelo tilintar da mercantilização, oportunistas criam máquinas puramente lobistas para favorecer maus empresários do ensino, da assistência suplementar e por aí vai.
O Programa Mais Médicos foi uma das principais estocadas contra nossa classe. De cima para baixo, na calada da noite, o Brasil foi invadido por profissionais que nem precisavam comprovar se tinham capacitação para exercer a Medicina. Claramente a meta era desqualificar os médicos de nosso País.
Nossas entidades representativas protestaram, a imprensa denunciou o risco à saúde da população, mas parece que os sinais de alerta não foram assimilados. Tanto é fato que, dias atrás, veio a público que alguns maus políticos defendem que o processo de revalidação de diplomas de graduados em Medicina fora do Brasil seja realizado por faculdades particulares.
Em suma, parece que desejam transformar a revalidação em um balcão de negócios. Mais uma vez, o prejuízo pode estourar nas mãos de médicos e pacientes. O mercado será inflado por profissionais sem formação adequada, que só desgastarão nossa imagem e a da Medicina, enquanto a assistência aos cidadãos será de fundo de quintal.
Alguém mais afoito pode logo deduzir que nada pior do que isso pode ocorrer em um Brasil já tão combalido por más práticas e péssimas notícias. Ledo engano. Não só pode como já se vislumbra em horizonte próximo outras ameaças aos médicos, aos pacientes e ao Sistema Único de Saúde.
O congelamento dos investimentos na Saúde por 20 anos, decretado em meio ao Governo anterior, é outro exemplo. E recentemente, a Folha de S. Paulo noticiou que o SUS foi alvo de estudo inédito liderado pela Universidade de Harvard e publicado na revista Lancet.
Em um dos cenários, traçaram um panorama do que pode ocorrer com a assistência pública até 2030, se mantidas as transferências no nível de 2015 e sem aumento do financiamento, associadas ao crescimento do PIB em 1%, 2% e 3%. A conclusão é a de que, sem aumento de verbas, haverá deterioração de indicadores da Saúde de suma relevância: taxa de mortalidade infantil, consultas pré-natal, cobertura do programa de saúde da família e mortalidade por doenças cardiovasculares.
Por ironia do destino, simultaneamente está em andamento uma operação chamada “Mundo Novo”. Tornou-se público que há um consórcio de operadoras de planos de saúde trabalhando forte em Brasília para modificar integralmente a Lei 9.656/1998, a única garantia que médicos e pacientes têm contra os abusos dos planos de saúde.
Fica evidente que o movimento é orquestrado. Há muitos poderosos interessados em enfiar a faca nos pacientes e tirar o sangue dos médicos. A receita para reverter o mal é levantar a cabeça, arregaçar as mangas, unir-se em torno de nossas entidades e reagir.
Nós podemos. Nós somos a Medicina.
* Maria Rita de Souza Mesquita, segunda vice-presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp)