Não é de
hoje que se sabe que a aglomeração de pessoas facilita, e muito, a ação de
pervertidos sexuais que, escondidos na multidão e se aproveitando do
empurra-empurra típico nessas situações, satisfazem a sua lascívia mediante
“encoxadas”, “passadas de mão”, “apertões e beliscões nas partes íntimas” e
outras tantas formas.
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No transporte público, as mulheres são atacadas |
Recentemente, a mídia nacional passou
a noticiar a ocorrência de tais fatos no transporte público. Diversas foram
as mulheres que vieram a público para relatar a violência de que foram
vítimas, bem como a forma adotada pelo agressor.
É relevante mencionar que tais abusos
de natureza sexual verificados no transporte público não constituem algo
novo. A ação desses criminosos sexuais no interior de trens e ônibus é algo
antigo, de há muito conhecido pelas autoridades. Tanto isso é verdade que, há
pelo menos cinco ou seis anos, os trens da cidade do Rio de Janeiro possuem
vagões exclusivamente destinados ao público feminino.
O problema, de fato, é sério e demanda
uma atitude enérgica por parte das autoridades.
Não fosse o embaraço, o medo e a vergonha que tais atos provocam no
inconsciente das vítimas, devemos também acrescentar que o autor de tais
condutas acredita, piamente, na sua impunidade, vez que, via de regra, ele se
utiliza da multidão para a prática desse tipo de crime e nela se esconde após
a prática da conduta.
Grave
ameaça
Sob o aspecto penal, três, basicamente, são as
hipóteses.
Pois bem, da análise feita dos relatos trazidos pelas vítimas, nota-se que,
na maioria das vezes, o agressor não faz uso de violência ou grave ameaça.
Ele apenas se aproveita da “aglomeração” para atacar a vítima, seja com
apertões, seja com passadas de mão, “encoxadas” e até mesmo com beliscões.
Nesses casos, é bom deixar claro, não há que se falar em estupro (artigo 213,
do Código Penal).
Nessas situações, vale dizer, quando
ausentes a grave ameaça e a violência, a conduta do agente se encaixa no
artigo 61 da Lei de Contravenções Penais (“Importunação ofensiva ao pudor”),
cuja redação é a seguinte: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível
ao público, de modo ofensivo ao pudor. Pena: multa”.
Como se vê, trata-se de mera
contravenção penal, cuja pena prevista é, apenas, a de multa. Por se tratar
de infração penal de pequeno potencial ofensivo, é bem possível que o agente
sequer seja processado criminalmente, sobretudo se for primário e possuir
bons antecedentes. Ademais, como já dito, ainda que ele venha a ser
processado e, quiçá, até condenado, a pena prevista na lei é extremamente
branda.
Todavia, se o autor adotar qualquer
forma de violência ou grave ameaça (simulação de arma, uso de faca ou outro
objeto pérfuro cortante, ameaças sérias proferidas ao “pé do ouvido”), a
conduta pode adquirir uma gravidade bem mais intensa, já que, nesse caso, o
crime supostamente praticado será o estupro (artigo 213, do Código Penal),
cuja redação é a seguinte: “Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso. Pena: reclusão, de 6 a 10 anos”.
Crime
hediondo
Nessa hipótese, a situação é bem mais grave,
tanto é assim que é caracterizada como “crime hediondo”. No caso, se o agente
se utilizar de violência ou grave ameaça para “paralisar” a vítima, que fica
incapacitada de reagir por conta do medo que a toma, e assim obrigá-la a
permitir as carícias e os atos libidinosos, o estupro restará caracterizado.
É bom esclarecer que, a partir da
alteração ocorrida em 2009 no nosso Código Penal, o estupro não se realiza
apenas com a prática da conjunção carnal propriamente dita, mas também com a
realização de atos libidinosos quaisquer que tenham por escopo satisfazer a
lascívia (desejo sexual) do autor. E é justamente no conceito de atos
libidinosos que se encaixam os “apertões”, as “passadas de mão”, os beliscões
nas partes íntimas e nos seios etc.
Dentro desse contexto, podemos ter,
ainda, a ocorrência do crime previsto no artigo 215, do Código Penal,
(“Violação sexual mediante fraude”), que tem a seguinte redação: “Ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude
ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da
vítima. Pena – reclusão, de 2 a 6 anos”.
Analisando-se a redação daquele tipo
penal, nota-se que, nesse caso, a conduta não se realiza mediante violência
ou grave ameaça, mas sim ou por meio de “fraude” ou, então, por “outro meio
(qualquer) que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da
vítima”.
Uso
de violência
Sendo assim, levando-se em conta que os meios de
transporte público andam lotados – sobretudo nos horários de pico –, não é
exagero supor que a vítima, em razão da superlotação e do aglomerado de
pessoas, fique mesmo impedida de reagir, vale dizer, de “manifestar a sua
vontade” diante do ataque do agressor. Ou seja, embora sem fazer uso de
violência ou grave ameaça, o agente, aqui, se utiliza do espaço reduzido e do
grande número de pessoas para a prática do delito, já que sabe, de antemão,
que a vítima não tem como esboçar qualquer reação.
É evidente que, em tal hipótese, caberá
ao órgão acusador comprovar que, pelas circunstâncias em que se encontrava a
vítima, era mesmo impossível que ela pudesse expressar a sua “livre
manifestação de vontade”. Caso contrário, ou seja, caso não fique comprovada
a total impossibilidade de resistência, a conduta será classificada como mera
contravenção penal, como anteriormente já dito.
Outro fator importante a ser dito é que, em qualquer uma das condutas
criminosas aqui mencionadas, tanto pode ser vítima a mulher quanto o homem.
De qualquer forma, seja em qual
circunstância for, esteja o meio de transporte público lotado ou não, seja de
dia ou à noite, a prática (infelizmente) corriqueira das “encoxadas”
maliciosas, das passadas de mão, dos apertões/beliscões possui previsão legal
na legislação penal e, a depender da gravidade, pode sujeitar o agente ao
cumprimento de penas severas. Falta, agora, apenas aplicar a lei em quem mereça!
* Euro Bento Maciel Filho é advogado criminalista, mestre em Direto Penal
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do
Escritório Euro Filho Advogados Associados - eurofilho@ eurofilho.adv.br
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