Recusou ouvir as justificativas de enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais
Astrogildo Magno
O doutor Martos era carrasco. A equipe
de profissionais da saúde que trabalhava com ele o conhecia há muitos anos e sabia de sua maldade. Principalmente com
pacientes em situação de rua. Não tinha dó. Autorizava alta, mesmo com paciente
sem condições de se locomover, falar ou mesmo enxergar. A regra, segundo ele,
era limpar os leitos. Na avaliação do doutor Martos, hospital não poderia ser
como hotel. Nada de longa permanência. Aplicava medicamento e rua.
Porém, entre a sua equipe tinha
profissionais de coração bom. A enfermeira Marilúcia, com mais de 40 anos de
experiência, sabia quando alguém não poderia receber alta. A dura rotina do
trabalho a ensinou a enxergar a situação com olhar de compaixão. Numa manhã,
aos gritos o doutor Martos autorizou que um paciente acamado, sem condição de
ficar de pé e se alimentar fosse para a rua. Recusou ouvir as justificativas de
enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais.
O paciente foi deixado na porta
do hospital debaixo de chuva. Ele tentava se levantar e caia no chão. Ali
permaneceu estirado por algum tempo. De repente um carro da Rota (Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa de elite da PM de São Paulo, aborda o
cidadão deitado no chão, com sangue escorrendo de sua boca. Os soldados
rapidamente o levam de volta ao hospital. Um dos Pms olha atentamente para o
homem, com cerca de 60 anos, e o reconhece: era seu pai, desaparecido há 20
anos.
Mão
O policial o segura nos braços e
entra na emergência com o paciente desmaiado. O doutor Martos vê a cena e tenta
ignorar a situação. Mas ao sentir o cano da pistola .40 encostada no seu rosto
e o olhar irado de um filho, percebeu o tamanho da encrenca que se meteu. O Pm
queria saber quem havia mandado para a rua aquele paciente. Martos ergueu a mão
e disse que ele era o responsável por aquele ato desumano.
O soldado perguntou se ele
conhecia o inferno. Pois naquele dia teria tempo para ver satanás frente a
frente. Em fração de minutos entrou no camburão e se viu num local deserto, descalço
e frio. Ao olhar para frente começou a enxergar todos os pacientes que ele
tinha jogado na rua, sem nenhuma condição de saúde. Porém, essas pessoas estavam
num local iluminado e Martos na escuridão.....
Astrogildo Magno é cronista.