Ali, durante quase meio século, senti na pele o desprezo da classe política
Luís Alberto Alves/Hourpress
Pesquisa recente CNT/MDA apontou
que o brasileiro confia, em grande maioria, nos bombeiros, igreja e Forças
Armadas. De 100%, os partidos políticos e imprensa ficaram com 2,3% e 0,2% de
confiança do povo, respectivamente.
Qual a razão disto?
Intelectuais dirão que este dado reflete a “burrice” da população. Discordo!
Quem enfrenta ônibus lotado, metrô ou trem; recebe péssimos salários e moram,
em grande parte afastada dos grandes centros, onde falta infraestrutura, sabe
do que fala.
Durante quase 50 anos de minha
vida tive casa a cerca de 30 quilômetros do Centro de SP. Conheço a dificuldade
de enfrentar ônibus lotado de manhã e de noite, no retorno do trabalho. Quando
doente, sofrer na fila dos hospitais públicos, totalmente sucateados.
Periferia
Quantas vezes ouvia conversa
fiada de políticos prometendo asfaltar a rua onde passei minha infância,
adolescência e juventude. A escola pública caindo os pedaços, sem professores;
postos de saúde carente de funcionários. Enfim, era periferia. O povo que se
lixe!
Ali, durante quase meio século,
senti na pele o desprezo da classe política. Os grandes jornais da época
(Jornal da Tarde, Diário Popular, Folha da Tarde, Notícias Populares, Estadão)
só lembravam-se daquele pedaço da Zona Norte de SP, quando a pauta era sobre
crime.
Hoje, com 33 anos de
jornalismo, ainda custo a entender o motivo de só tragédia virar notícia. O
povo, na sua sabedoria, também gosta de alegria. Aliás, o pobre não vai de
roupa suja batizar o filho, ou mesmo a um culto religioso. Gosta que as pessoas
da cidade os vejam com outros olhos.
Democracia
É neste quesito o olhar clínico
sobre a imprensa. Como vai merecer confiança algo que só valoriza o lado podre
da vida? O pobre gosta de democracia, mas se vier sem comida sobre a mesa, não
vale nada. Certa vez, numa entrevista, uma faxineira me respondeu: “moço,
democracia se come”?
Por outro lado, o povo admira
muito os bombeiros, segundo os dados da pesquisa da CNT/MDA. Simples! A
qualquer hora da noite ou dia, eles prestam socorro a quem o Poder Público
trata igual pária. Às vezes até parto realizam, dependendo da situação.
Apesar de muitos vendilhões da
fé, a igreja aparece em segundo lugar como instituição confiável. Essa
informação não pode ser interpretada como ignorância. Quando tudo parece ruir
debaixo dos pés, a população procura ajuda divina.
Periferia
Mas qual a razão disto tudo. Após
21 anos de Regime Militar, a nossa classe política ainda não soube valorizar a
democracia. Temos um Congresso Nacional horrível. Preocupado apenas na votação
de leis prejudiciais ao eleitor. Prova disto é a Reforma Trabalhista, onde os
beneficiados foram os empresários.
Não temos políticos
interessados no bem-estar da população, apenas na conta bancária. Seja de
direita, esquerda ou centro; a mesma sacanagem se faz presente. Só quem sofre
na pele a dor de receber um salário de miséria, e obter poucos benefícios do
governo, e se equilibrar na corda bamba para continuar vivendo, sabe o que é
morar na periferia.
O mundo é bonito na televisão,
assim como nas revistas que exibem as festas da elite. Também no Congresso
Nacional, onde se trabalha pouco e se ganha muito. Agora, no Brasil real, onde
o crime organizado dá as cartas e existe pouca presença do Estado, o buraco é
mais embaixo.