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Na Alemanha nazista eram proibidos diversos tipos de casamentos |
Breno Rosostolato*
Quando Charles Darwin escreveu sobre a seleção
natural e difundiu a ideia de que a sobrevivência dos organismos dependia de
sua adaptação no ambiente, importantes pensadores inclinaram-se sobre este
conceito e destilaram novas teorias. A luta pela sobrevivência deflagrou uma
nova ideologia para melhorar a raça humana por meio da ciência.
Francis J. Galton é o nome associado ao
surgimento da genética e da eugenia, que significa “bem nascer”. Teorizando,
seria o estudo dos fatores socialmente controláveis que podem elevar ou
rebaixar as qualidades raciais das gerações futuras, tanto física quanto
mentalmente. Por meio de casamentos e uniões seletivas, Galton acreditava que
poderia modificar a natureza das pessoas, separando aqueles que supostamente
eram “perfeitos” e preservando assim a qualidade das futuras gerações.
A degeneração biológica passou a ser uma
preocupação e a proibição de uniões indesejáveis era algo bastante coercivo.
Propostas políticas de higiene ou profilaxia social passaram a surgir em vários
países, dentre eles o Brasil. Em 1923, foi fundada a Liga Brasileira de Higiene
Mental, pelo psiquiatra Gustavo Riedel, que ganhou sustentação nos pressupostos
eugenistas, atingindo, posteriormente, o campo social. A eugenia era vista por
Riedel como o “paraíso terrestre”, reafirmando os pressupostos de Renato Kehl,
o mentor da eugenia no Brasil.
O aspecto cultural e social da eugenia é o que
chama a atenção, em vários países, inclusive o Brasil. As explicações para as
crises econômicas e políticas isentavam as elites e imputavam toda a
responsabilidade ao povo. Ou seja, os problemas de uma sociedade eram
justificados através de uma constituição étnica e na presença de raças
inferiores.
Na Alemanha, a Lei de Nuremberg, alicerçada
nos pressupostos eugênicos, proibia o casamento de alemães com judeus, o
casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou
hereditárias. Propunha-se a esterilização de pessoas com problemas hereditários
e que poderiam comprometer a saúde da raça ariana, associado a isso toda a
perversidade e crueldade de uma mente doentia de um ditador como Hitler, que
desejava conquistar o mundo. O documentário “Homo Sapiens – 1900”, do diretor
sueco Peter Cohen, aborda de maneira enfática as práticas eugênicas durante o holocausto.
Um verdadeiro genocídio cruel e injustificável.
Esta concepção de eugenia traduz-se, hoje, no
biopoder difundido por estudiosos e intelectuais, com o propósito de estudar
estratégias de intervenção sobre a vida cotidiana. Entretanto, alguns
preconceitos revelam-se como absurdos propagados pelo biopoder, pois se
atribuem à marginalização de “raças inferiores” os conflitos sociais, a
pobreza, o aumento da violência, as drogas e por aí vai. Questões como o
racismo e o sexismo são reveladas. O aconselhamento genético, por esse ponto de
vista, é um espaço de poder e controle, ancorado nas concepções dessa nova
genética, determinando a subjetividade das pessoas, pois não temos identidade,
mas bioidentidades.
A mulher é vigiada não apenas para ter um feto
saudável, com saúde perfeita. O seu corpo sofre muito mais intervenções
médicas, comparado ao do homem. A identidade da mulher é influenciada por essas
exigências. Na maioria dos casos, o homem permanece numa posição despreocupada.
São inúmeros as técnicas e procedimentos resultantes do biopoder como controle populacional
e de natalidade, fertilização in vitro, diagnóstico pré-natal e
pré-implantação, aborto terapêutico e clonagem reprodutiva.
Métodos científicos estão a serviço da saúde e
da sociedade e possuem como alicerces ideológicos um controle adequado e seguro
de doenças, a ponto de antever o surgimento de deficiências ou patologias
congênitas, do crescimento descontrolado da população e, por último, o
mapeamento do DNA. A genética é a área que se utiliza desses estudos
científicos, difunde conceitos, ponderações e determina os aspectos adequados
para a existência humana. São métodos eugênicos que estão por trás desses
propósitos de prever eventuais problemas.
Porém, a eugenia não cessou. Este movimento
social reforça o conceito de etnocentrismo que impera no mundo. Sociedades
segregadas por diferenças religiosas são motivos para guerras infinitas e
exterminações sumárias. A intolerância sexual, como a misoginia e o
antifeminismo, assassina mulheres simplesmente por serem mulheres. A homofobia,
lesbofobia e transfobia são intransigentes quanto às identidades sexuais, uma
visão rebuscada da heteronormatividade.
O racismo é enraizado na sociedade e se
manifesta de maneira escancarada, para quem quiser ver. Vivemos um momento
social em que essas seleções naturais são praticadas sim, defendidas amplamente
por extremistas, fanáticos e radicais. Um sectarismo que não admite a opinião
contrária, uma pasteurização social que assola e enfraquece esta infeliz
civilização. Civilização?
* Breno Rosostolato é psicólogo e
professor da Faculdade Santa Marcelina – FASM.