Antonio Augusto / Câmara dos Deputados
Amparados por habeas corpus, depoentes convocados não responderam as perguntas dos deputados, que querem restringir esse direito a acusados de crimes
Deputados da CPI do Carf defendem mudanças na legislação para reforçar os poderes das comissões parlamentares de inquérito (CPI) de modo a tentar evitar que interrogados consigam, no Supremo Tribunal Federal (STF), o direito de permanecer calados durantes os depoimentos.
Os depoentes convocados para a reunião de hoje da CPI – o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva, o advogado Eduardo Gonçalves Valadão e o lobista Halysson Carvalho Silva – estavam amparados porhabeas corpus concedidos pelo STF que davam a eles o direito de permanecer calados e não se autoincriminarem.
Os três, já denunciados pelo Ministério Público Federal, são acusados de envolvimento em compra de medidas provisórias (MPs) que beneficiaram o setor automobilístico e em corrupção em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda encarregado de julgar recursos de empresas autuadas pela Receita Federal.
Eles se recusaram a responder as perguntas dos deputados da CPI.
O deputado Hildo Rocha (PMDB-MA) sugeriu ao presidente da comissão, Pedro Fernandes (PTB-MA), que fosse ao STF conversar com os ministros para evitar a concessão de novos habeas corpus.
“Eu não vou. O Supremo está agindo dentro da lei. Prefiro que a gente tente mudar a lei”, respondeu o presidente da CPI.
O deputado Jorge Solla (PT-BA) defendeu a proposta. “Devemos mudar a legislação para evitar o que está acontecendo aqui, que é um abuso no direito de ficar calado”, disse.
Negativa de envolvimento
Mesmo em silêncio, quando questionados a respeito das acusações que pesam sobre eles, dois dos três acusados convocados para depor negaram ter atuado em irregularidades no Carf.
O advogado Eduardo Gonçalves Valadão e o comerciante Halysson Carvalho Silva negaram qualquer envolvimento com o órgão. “Nunca andei no Carf, não sabia nem o que era o Carf”, disse Halysson.
Ele é acusado de extorsão e teria sido contratado pela SGR Consultoria Empresarial para ameaçar os lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni, sócios da empresa de consultoria Marcondes e Mautoni, para pagarem propina relativa à aprovação de medida provisória que teria beneficiado a Mitsubishi do Brasil.
Marcondes, em depoimento à CPI, também optou pelo silêncio, mas confirmou com um gesto de cabeça ter sido ameaçado por Halysson, ao ser questionado pelo deputado Izalci (PSDB-DF).
Valadão, por sua vez, disse que nunca atuou no Carf. “Não sou tributarista, nunca atuei no Carf e não tenho o que colaborar”, disse.
Ele negou também ser sócio da empresa SGR, controlada pelo terceiro depoente convocado para a reunião de hoje da CPI, o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva.
José Ricardo se recusou a responder perguntas sobre as acusações que pesam sobre ele, mas disse que nem todas as empresas que recorrem administrativamente ao órgão contra autuações da Receita são sonegadoras. “O que acontece é que o sistema tributário é muito complexo”, disse.
Ele provocou irritação entre os deputados ao defender uma reforma tributária. “Fica parecendo que as falcatruas no Carf foram causadas pela complexidade tributária e não pela ação deles. Inverteram os valores aqui hoje. Silêncio é um direito constitucional, mas não dá para ouvir conselhos de quem está denunciado no Carf”, disse o deputado Pedro Uczai (PT-SC).
Acusações
José Ricardo, segundo o Ministério Público Federal, oferecia decisões favoráveis a empresas nos julgamentos do Carf. O pai dele, Eivany Antônio da Silva, é ex-auditor da Receita Federal e fundador da SGR. Também é investigado, acusado de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e extorsão.
De acordo com a Polícia Federal, José Ricardo e Valadão atuaram juntos em um esquema de compra de medidas provisórias e corrupção no Carf junto com o lobista Alexandre Paes dos Santos – que também ficou calado em depoimento à CPI. Eles teriam contratado Halysson para pressionar cúmplices que não teriam pago a comissão pelos resultados.
Os três depoentes de hoje foram dispensados depois de se recusarem a colaborar.
Requerimentos
Na mesma reunião, a CPI aprovou convite para que o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel preste depoimento sobre o funcionamento do Carf.
Maciel não é investigado e seu depoimento, pedido pelo deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), tem como objetivo subsidiar os trabalhos da comissão.
Da mesma forma também será convidado o coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita Federal, Gerson D’Agord Shaan, a pedido dos deputados Izalci (PSDB-DF) e Heráclito Fortes (PSB-PI).
A CPI também aprovou requerimentos apresentados pelo relator da comissão, deputado João Carlos Bacelar (PR-BA), com solicitações de documentos a vários órgãos, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público a respeito de processos relativos a irregularidades no Carf.
Foi aprovado ainda requerimento do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que pede a transferência de dados relativos à quebra dos sigilos bancário e fiscal da empresa de consultoria Marcondes e Mautoni, dos lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni, acusados de pagar propina a conselheiros do Carf em troca de decisões favoráveis a empresas devedoras.
Como o quórum da comissão estava baixo, o presidente da CPI, deputado Pedro Fernandes, decidiu não colocar em votação requerimentos mais polêmicos previstos na pauta desta reunião, como a convocação dos empresários André Gerdau, da Siderúrgica Gerdau, e Walter Faria, da Cervejaria Petrópolis.
As duas empresas teriam usado o serviço de lobistas para corromper conselheiros do Carf em julgamentos de recursos contra autuações da Receita.
As últimas tentativas de votar os requerimentos de convocação dos empresários não foram adiante por falta de quórum na CPI.